sábado, 29 de março de 2014

Textos de Cornélio Pires




Cornélio Pires: 1884-1958

Boa desculpa

Nhô Lau era bom homem, possuindo um sítio em que plantava de tudo, à margem do rio Tietê.

Ultimamente notara que as suas roças de milho estavam sendo “broqueadas”. Ao ver tanto milho quebrado, atribuiu o estrago às capivaras, pois não podia acreditar que os seus vizinhos, todos compadres, fossem capazes de furto.

A fim de defender a roça mandou fazer profundo fojo (foge na expressão dos caipiras) nos carreiros, cobrindo-os com ligeira camada de sapé e terra. À tardinha viu arrematarem o serviço e partiu satisfeito para casa.

‒ Amanhã cedo voltaremos e vamos almoçar lombo de capivara...

‒ Nois vai tê paçoca da boa, somana intera... comentou o Zé Boliero.

No outro dia, pela manhã, de longe bradou Nhô Lau:

‒ Eu não dizia! Lá está o foge destapado! Pegamos já uma!

Ao chegar à borda do profundo buraco, notou, com espanto, uma capivara deitada de cansaço e o seu compadre Julião, todo esfolado, meio escondido por trás de um grande saco cheio de milho...

‒ Ô c´os diabos! Descurpe, compadre! Gritou Nhô Lau para baixo.

Jogou uma corda e continuou:

‒ Me esqueci de mandar avisar o compadre que tinha feito os foges... E aqui é o atalho por onde o compadre costuma passar...

‒ Foi o diabo! Comentou lá embaixo Julião, agarrando-se à corda para ser guindado.

Nhô Lau, sempre bonachão, bradou-lhe:

‒ Amarre o saco de milho pra subir junto, compadre.

‒ O saco de mio num é meu... Só se é da capivara...

Sítio do caboclo

Pouco distante da aguada,
no chapadão que além vira,
uma casinha barreada,
de uma família caipira.

A cerca de pau-a-pique,
logo ao chegar se depara;
dá ao quadro um quê de chique
uma porteira de vara.

No oitão da casa um poleiro,
e um leitãozinho a fuçar...
e num canto do terreiro,
uma pedra de afiar.

Do telhado sob as beiras,
o córrego de enxurradas,
formado pelas goteiras,
no tempo das chuvaradas.

Num cocho perto da porta
come milho um punga baio,
e um homem taquaras corta
para fazer um balaio.

Um caboclinho indolente,
que baixinho cantarola,
recostado no batente,
vai ponteado a viola.










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