A história do primeiro paraquedista morto no Brasil
(O primeiro paraquedista militar que não chegou a saltar)
(O primeiro paraquedista militar que não chegou a saltar)
Embarque num avião C-47
Em 15 de setembro de 1950, no Rio
de Janeiro, faleceu o soldado Roberto Fernandes da Costa em uma preparação de
salto que seria realizado nos próximos dias. Ele saiu de uma aeronave C-47,
extraído violentamente pelo paraquedas reserva, e o T-7 foi aberto quando ele
já estava fora do avião, por eu estar com o gancho de abertura na mão, caindo
no mar ao redor da Ilha de Paquetá, morrendo afogado.
Eu, Casemiro Scepaniuk, pioneiro 44, fui uma das
testemunhas oculares desta história, pois era auxiliar de MS (Mestre de Salto)
nesse exercício que os recrutas faziam antes de saltar, que era levantar,
enganchar, verificar equipamento, contar e chegar à porta. O candidato a Pqdt
não saltava, só olhava a paisagem e dizia ao MS o que estava enxergando,
voltando ao seu lugar, e o exercício se repetia com outro recruta. No dia em
que fosse saltar, já familiarizado com o exercício de chegar à porta, ele daria
o seu primeiro salto de uma aeronave em voo.
Abaixo, o meu relato verdadeiro do
trágico acontecimento desta história, no qual narro, fielmente, os detalhes do
que vi naquele distante dia de 1950.
*****
Vejo uma canoa...
Essas são as últimas palavras que
o recruta Roberto pronunciou na porta do avião.
No dia 15 de setembro de 1950, às 7
horas e 30 minutos, saímos do quartel da Colina Longa no “vaca”, caminhão
parecido com os que transportavam gado no Rio Grande do Sul, com destino à Base
Aérea dos Afonsos para realizar o voo de descontração-adaptação dos alunos, que
era realizado alguns dias antes do primeiro salto. Naquele tempo, esse
exercício fazia parte do programa de instrução dos alunos.
O “vaca”, que levava os paraquedistas e
alunos à Base Aérea dos Afonsos, ia buscar na ZL (Zona de Lançamento) de
Gramacho ou outra; também transportava o pessoal das 6 às 6 horas 45 minutos da
Estação de Deodoro até a Colina Longa, e, depois do expediente, levava os
mesmos de volta à estação. Quando o “vaca” fazia a última curva para a direita,
já subindo a pequena ladeira da colina e devagar, os mais afoitos saltavam pela
traseira que ficava aberta (os lados eram gradeados com madeira) e a parte de
cima também aberta; eles saltavam contando um mil, dois mil, três mil... e, a
passo, iam rapidamente ao rancho tomar café. O Luisinho, pqdt n° 42, um dia, segurando-se na
carroceria para dar o salto com uma mão por cima do trinco da porta traseira,
enganchou a aliança no mesmo tirando pele e couro de duas falanges e, por
pouco, não perdeu o dedo.
O vaca
Nesse dia, 15 de setembro de
1950, o “vaca” levava os alunos do 1950/4 para o citado exercício com o MS,
capitão Newton Lisboa Lemos, pqdt 25, pioneiro (Hoje general e autor do hino
paraquedista “Eterno Herói”, falecido em 2013), e eu seu auxiliar de MS e
rec-fitas, ao local dos aviões. Chegando à base Aérea do Afonsos, já
encontramos o C-47 n° 2017 ou outro número que não me lembro bem, com os
motores quase aquecidos, foi o tempo de equipar os alunos com os paraquedas T-7
e reserva, e embarcar. O avião, taxiando, ficou na pista, de cauda na direção
de Marechal Hermes e de frente para a serra de Jacarepaguá. Partiu com
decolagem perfeita, pegando altura, ficando acima da serra, e fez uma curva
para a esquerda, seguindo na direção das ilhas do Governador e Paquetá. Dia
muito bonito, claro, o sol iluminando o avião que voava sereno como uma garça.
Com a porta do avião aberta como se
fôssemos realizar um salto coletivo, o MS, capitão Newton, olhou para mim e
disse:
- Scepaniuk, vamos começar o exercício: fica na
posição do rec-fitas e segura o aluno pelo equipamento do lado esquerdo.
Isso era rotina. Ele, em seguida,
iniciou o comando que era feito para cada aluno: preparar, levantar,
enganchar, verificar equipamento, contar e à porta.
O MS segurava o aluno pelo lado direito do equipamento. Eu o segurava com a mão
direita do lado esquerdo e a outra mão me apoiava na fuselagem do avião próxima
à porta. O aluno, equipado com o T-7 e reserva, ficava na porta na posição de
quem ia saltar. O MS fazia, durante alguns minutos, uma série de perguntas,
tais como:
- O que você está vendo lá embaixo?
E o aluno respondia o que via: umas
casinhas, uma estrada com um automóvel preto, um canal duplo com água,
coqueiros, o mar, um navio, uma ilha, uma pequena canoa. O MS também fazia
correções na posição do aluno na porta:
- Olha a linha do horizonte, levanta a cabeça. - e
outros comandos.
Terminadas as perguntas e correções,
o aluno dava um passo de costas, ficando sempre de frente para a porta e um
pouco atrás do cabo de ancoragem, fazendo o desenganchamento. Eu o ajudava a
tirar o gancho, pois alguns complicavam na saída do cabo. Desenganchado, o aluno
ia sentar-se e o MS comandava outro.
No acidente do soldado Roberto,
quando ele já estava fora da porta, por ter terminadas as perguntas e correções
e ter dado um passo para trás, mas de frente ainda para a porta e atrás do
cabo, desenganchando, e eu ajudando-o a tirar o gancho, com a fita encostada no
meu braço esquerdo, olhando um pouco para cima, o avião deu uma tremida leve e
o Roberto sumiu! Voávamos sobre o mar. O co-piloto saiu da cabine e fez a
seguinte pergunta:
- O que houve?
O MS respondeu:
- Um aluno foi sugado, faz uma volta!
Eu, ajoelhado no canto esquerdo da
porta, olhando para baixo, vi o Roberto descendo com os dois paraquedas
abertos, e uma pequena canoa navegando com uma pessoa nas proximidades onde ele
ia cair. Era a minha esperança de socorro. A fita de abertura deve ter ido
junto com o T-7, presa no ápice ou caído no mar, pois não ficou dentro do avião
presa no cabo, e o gancho de comando do reserva também não. Quando o avião
passou por cima dele, na primeira volta pedida pelo MS, ele ainda balançava o
braço (os braços). A canoa estava se dirigindo na sua direção. O MS pediu que o
avião fizesse mais uma volta, enquanto nós preparávamos uma boia com a bolsa de
transporte do T-7 e reserva com dois paraquedas fechados dentro. Ajoelhado
novamente na porta, observando o melhor ponto para lançar a boia, só vi a
pequena canoa (última palavra que o recruta pronunciou na porta do avião).
Senti o meu pulso esquerdo doer,
olhei e vi que sangrava e que havia uma marca esfolada, da largura da fita, que
ia até perto do cotovelo, marca essa que levou muitos anos para desaparecer.
O que houve, em minha opinião, foi
que, enquanto eu o ajudava no desenganchamento e o MS continuava a segurá-lo
pelo equipamento, e ele de frente para a porta, mas já afastado, por ter dado
um passo para trás, o “piloto” do reserva soltou-se e foi sugado para fora do
avião, extraindo o paraquedas reserva, que, inflado, extraiu violentamente o
soldado Roberto com o T-7 ainda fechado, batendo no lado esquerdo da porta com
muita violência, ocasionando a tremida do avião. Eu, que estava com o gancho na
mão, próximo ao cabo e a fita encostada no braço, abri o T-7, sem pensar e
querer.
Como o “piloto” do reserva foi
libertado? E por quê? Isso eu não sei. Sei que estávamos juntos e, num piscar
de olhos, ele sumiu. Em milésimos de segundos aconteceu tudo o que narrei sobre
o primeiro acidente fatal, nesta hoje grande Unidade de Paraquedistas
Militares do Brasil.
Epílogo:
Passados alguns meses, eu encontrei,
casualmente, a irmã do falecido Roberto, na esquina da Avenida Rio Branco com a
Rua Santa Luzia, próximo ao clube militar, no centro do Rio, e ela me disse:
- Senhor Scepaniuk, nós moramos no Catete, próximos
às praias do Flamengo e Botafogo desde pequenos. Não entendi a morte do meu
irmão até agora por afogamento no mar. Ele era um exímio nadador...
Observação final:*
Creio que, ao bater violentamente
na porta do avião, o soldado Roberto deve ter tido fraturas generalizadas.
Como, talvez, ele estivesse impossibilitado de fazer qualquer movimento em
virtude dos possíveis ferimentos internos e externos, ele afundou sem poder
fazer nada pela sua vida.
A canoa, infelizmente, chegou um
pouco tarde...
Relato de Casemiro
Scepaniuk, foto acima, pqdt 44, pioneiro
* O manuscrito deste texto foi-me
dado pelo autor, o qual guardo até hoje como uma relíquia histórica do
paraquedismo militar brasileiro. Fiz as devidas correções até ficar do agrado
do Cap Scepaniuk, que até hoje sofre pela morte do primeiro soldado acidentado
no Brasil
Nilo da Silva Moraes
O Cap Casemiro Scepaniuk faleceu no dia 02 de fevereiro de
2016, aos 94 anos.
P.S. Nunca ficou claro como e
por que o paraquedas reserva se abriu dentro do avião. O soldado era apenas
manipulado, as instruções que ele recebia era para descrever o que via da porta
do avião, quem fazia todos os procedimentos dentro da aeronave era o Auxiliar
de MS, que estava com a fita do paraquedas principal enrolada no seu braço,
quando ambos paraquedas se abriram sugando o aluno para fora da aeronave. Foi
feito um inquérito e não foi encontrado culpado pelo acidente...
Nesta montagem fotográfica dos anos 50, acima, aparecem, no meio dela, abaixo do escudo PQD, as fotos dos três primeiros paraquedistas mortos em salto no Brasil: Sd Roberto Fernandes da Costa - Sgt João Alves Diniz e Cb Paulo Wilhelm Neto.
“História Oral da Brigada de Infantaria Paraquedista”
Revista Brasileira de História Militar
Luiz Cláudio Espírito
Santo de Oliveira
O General Newton Lisboa Lemos é
uma verdadeira lenda entre os paraquedistas militares brasileiros, além de ter
sido integrante da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e um dos pioneiros a
realizar o curso de formação paraquedista, em Fort Benning , nos
Estados Unidos, em 1945. É dele a letra da canção “Eterno Herói” que se tornou
uma espécie de hino dos paraquedistas militares brasileiros. Segue o relato
dele sobre o que presenciou na primeira morte de um paraquedista brasileiro em
atividade militar aeroterrestre:
“É, realmente estava. Eu
presenciei, lamentavelmente, o primeiro acidente ocorrido no paraquedismo
militar, que resultou numa morte. Eu era diretor do Curso Básico em 1950 e
fazia parte desse curso como aluno, o Soldado Roberto Fernandes da Costa. Ele
fez o curso, vinha fazendo o curso, e como era de praxe no curso, a terceira
semana, da terceira semana fazia parte um voo, que era de adaptação. Isso tendo
em vista que os soldados que nós recebíamos não tinham nenhum contato com
avião, então para evitar que ele fizesse esse contato na hora do salto,
proporcionava-se um voo de adaptação, que era a última instrução do estágio C.
Na sexta-feira do estágio C fazia-se esse voo. Colocava-se a turma toda no
avião totalmente equipada, com dois paraquedas, o principal e o reserva, como
se ele fosse saltar. E, antes do voo, eu me reuni com os pilotos para acertar e
dizer qual era a finalidade do voo, explicar a eles do que se tratava, e eu
pedi que eles fizessem um voo planado e evitasse voar sobre água. Voar só sobre
terra. Dado que cada um ia chegar à porta do avião. E, depois da revista geral
de todos, dos paraquedas, de tudo. Tudo como se fosse para saltar. O voo corria
normalmente e, um a um, ia à porta. De um lado eu ficava e do outro meu
auxiliar, que era o então Sargento Scepaniuk. Até que chegou a vez do Soldado
Roberto, que era o último, era o último. Detalhe: o voo foi pela manhã. E
quando o aluno chegava à porta, dava-se o comando para ele, e ele chegava à
porta e enganchava. E tomava posição como se fosse para saltar. E nós ficávamos
conversando com ele, sentindo as reações de cada um. Perguntando se ele
saltaria e tal, se fosse a hora de saltar se ele saltava...e assim foi... o
Roberto tomou a posição de saltar e, como eu disse, ele estava um pouco
agitado, estava um pouco nervoso.
Quando... o Scepaniuk tomava conta
do gancho e nós segurávamos um de um lado o outro do outro. Quando eu disse
“pode sair” e bati no braço dele “pode sair”, ele saiu muito bruscamente. É
provável que nesse movimento de saída da porta ele tenha batido com o braço
violentamente no punho de abertura do paraquedas reserva. Sei que o paraquedas inesperadamente
se abriu e com o vento... o avião era o C-47... tinha muito vento da hélice para
fora e o vento puxou o paraquedas para fora do avião. Ele conseguiu ainda se
segurar na porta do avião e ficou com o corpo quase todo para o lado de fora se
segurando. E nós tentando trazê-lo novamente para dentro do avião. Não se
conseguiu. Sei que de repente ele foi arrancado dali. Não tinha forças para
isso. E o Scepaniuk, que já tinha desenganchado ele, enrolou a tira de abertura
do paraquedas no braço e ele saiu. Imediatamente nós ficamos olhando, ele
estava descendo com os dois paraquedas abertos, os dois paraquedas abertos.
Abriu o reserva e tendo o Scepaniuk segurado a fita de abertura, conseguiu
abrir o principal. Eu corri ao piloto e disse o que tinha ocorrido: “acabou de
cair um homem. Vamos voltar”. Ele fez a manobra, voltou, e ele ainda vinha no
ar com os dois paraquedas abertos. Um detalhe: ali nós estávamos rodeando, já
estávamos voando sobre a água, na Baía de Guanabara. Era coisa de metade do
dia, meio-dia, por aí assim. Ali, naquela ocasião, isso foi em 1950, tinham
várias colônias de pescadores, mas que na ocasião, provavelmente estavam
almoçando, não tinha nenhuma embarcação ali. A Baía estava vazia. Então o
piloto novamente voltou, foi adiante, voltou e nós... ele já estava na água, já
estava boiando, estava na água boiando, com os dois paraquedas ainda flutuando.
Nós jogamos uma bolsa, bolsa de guardar paraquedas, bolsa de lona, botamos uns
objetos ali dentro para ver se aquilo podia servir de boia para ele. Bem...
recurso do momento. E ficamos voando ali quando ele desapareceu, desapareceu na
água. Nós não tínhamos outro recurso. Soubemos depois que ele era um exímio
nadador, mas não se desvencilhou... a brutalidade do choque deve ter perturbado
muito e ele não teve ideia do que fazer. E lamentavelmente perdemos um
companheiro, que depois teve o seu corpo encontrado.
Adendo final:
Casemiro Scepaniuk: 28 de novembro de 1921 - 02 de fevereiro
de 2016.
Realmente dramatico e contundente. Se pode entender o sentimento do mestre Scepaniuk...
ResponderExcluir,o(
Faleceu dia 3/2/2016 aos 94 anos, o ex-paraquedista do EB, Casemiro Scepaniuk. Especializou-se em paraquedismo nos EUA. Era o número 44 de um total de 47 oficiais e sargentos que foram para Fort Benning, na Georgia, tornando-se pioneiros do paraquedismo militar brasileiro.
ResponderExcluirDestes, com a perda de Scepaniuk, apenas quatro ainda vivem. Um dos primeiros instrutores da Brigada de Paraquedista do Campo dos Afonsos, Casemiro também ficou conhecido por "salvar a vida" de colegas. Após ter descoberto uma falha em um gancho de paraquedas, criou uma espécie de pino de segurança que impedia a abertura acidental do equipamento. O invento recebeu o nome de "gancho de chipanique", referência à pronuncia do sobrenome de origem polonesa de Casemiro. Em vida, ele construiu um túmulo, com uma estátua de bronze, de si próprio, em tamanho natural, em uniforme de paraquedista ( inclusive com paraqueda reserva), tendo ao lado uma estátua do cão Piloto, ( com o seu paraquedas) primeiro cão paraquedista da América do Sul e, do outro lado, a imagem de uma águia, em homenagem ao primeiro curso de paraquedismo que realizou nos EUA, na década de 1940. Os colegas que estiveram presentes ao sepultamento prestaram a última homenagem a Casemiro, cantando "Eterno Herói", a canção do paraquedista. Atualmente, o militar integrava, em Porto Alegre, o Grupo Grafonsos, que congrega paraquedistas de todo o Brasil.
http://zh.rbsdirect.com.br/imagesrc/17923835.jpg?w=640
Foto do túmulo de Casemiro, com sua estátua em bronze!
Em 1953, pela primeira vez caminhei pela Colina Longa e entrei na Escola de Pára-quedistas do Exército, na Vila Militar, Rio de Janeiro, onde poucos meses depois me sagraria combatente aéro-terrestre. À época Scepaniuk, se não me engano, era 2º Sgt. Tive oportunidade de saltar com ele e também de praticar esportes nas quadras improvisadas do aquartelamento. Fiquei lá 6 anos. Algumas vezes, ele como Adjunto e eu como Sgt de Dia da 1ªCiaEngAéT ficamos de serviço e lembro-me bem de duas características dele: era muito forte, tanto quanto educado - líder nato. Dele guardo lembranças de um tempo feliz passado junto a tantos outros amigos pára-quedistas.
ResponderExcluirQue Jesus, o Divino Amigo, abençoe o Scepaniuk.
Eurípedes Kühl - Cap Ref Pqdt nº 826
Obrigado pelo comentário, amigo Eurípedes Kühl, pqdt 826 - do Turno 1953/1 e MS 500.
ResponderExcluirNilo da Silva Moraes, do Blog Almanaque Cultural Brasileiro.