Dizem que havia em certo país, em
tempos que já vão longe, um homem agigantado, mas de alma de criança,
Cristóvão, que queria servir ao rei mais poderoso do mundo. Mostraram-lhe um
rei da Terra, senhor de exércitos e de riquezas, arrogante e severo, que com um
gesto poderia condenar à morte milhares de súditos.
– É o mais poderoso de toda da Terra? – perguntou Cristóvão.
– Não há outro como ele. O tropel
dos seus soldados faz tremer o mundo. Quando ele fala, as cabeças se curvam
como o trigo ceifado. É dono de mais ouro, de mais pedrarias, de mais escravos,
de mais vassalos, que qualquer outro.
–Então é o mais poderoso? – repetiu Cristóvão.
E ficou servindo, fielmente, ao grande rei, durante muitos
anos.
Ora, um dia, houve uma guerra, e
o soberano foi vencido. A cabeça orgulhosa curvou-se por sua vez.
Com a mesma lealdade, Cristóvão
passou a servir ao vencedor. O novo amo, no entanto, tinha medo.
– Que temes? – perguntou-lhe Cristóvão.
– O diabo.
– Quem é esse?
– Esse – cochichou o rei, tremendo e olhando para os lados –
é o verdadeiro Senhor do Mundo.
– Onde está, que quero servir-lhe?
– Estais doido? Não sei onde está, nem quero saber. Por mim,
quanto mais longe dele, melhor.
Cristóvão saiu pelo mundo,
indagando de uns e de outros, até que conseguiu, certo dia, encontrar o Diabo.
Fez um trato com ele e passou a servir-lhe. Leal como as armas, fiel como as
pombas, dócil como as crianças, durante anos e anos ele seguiu o novo amo,
obedecendo-lhe em tudo.
Uma vez, ao passarem por uma cruz
de pedra, à beira do caminho, o Diabo deu uma volta para não passar perto dela.
– Que é? – perguntou Cristóvão admirado.
– Uma cruz.
– Que representa?
– O sacrifício do Cordeiro.
– Por que deste uma volta?
– Ora! – o Diabo casquinhou uma risadinha.
– Tens medo dela?
– Sim.
– Então é mais poderosa do que tu?
– Sim, certamente.
– E como te inculcavas como o Senhor do Mundo?
– Não sou eu, por acaso, o Rei da Mentira? – disse o Maligno
com arrogância.
Cristóvão abandonou o Diabo e foi
procurar o Senhor da Cruz. Andou muito e não o encontrou. Em todos os caminhos,
junto de todas as cruzes, indagava:
– Onde está o Senhor da Cruz?
– No céu – diziam uns.- Nas igrejas – diziam outros.
Ao céu, ele não podia ir. Nas igrejas, procurou, e não o encontrou jamais.
Depois de muito errar pelo mundo,
parou à margem de um rio, onde, mercê de sua gigantesca estatura e de sua
força, trabalhava, transportando passageiros nos ombros possantes. Numa noite
de tempestade, um menino bateu à porta de sua choupana, à beira do rio, e
disse-lhe:
– Vim buscar-te, para que me sirvas.
Cristóvão não entendeu bem.
– Que queres? Atravessar o rio?
– Isso também é um modo de me servir – respondeu
misteriosamente.
– Então vamos. Quem veio contigo?
– Ninguém.
– Assim tão pequenino, estás sozinho?
– Estou contigo, Cristóvão.
– É verdade – disse o gigante.
Sacudiu os cabelos que lhe
desciam até os ombros, pôs um manto nas costas, pois chovia, e pegou a criança.
Pesava tanto, tanto, que ele cambaleou ao levantar-se.
– Devo estar um pouco fraco – pensou ele. – Esta criança não
pode pesar tanto. É tão pequenina!
No entanto continuava a se arrastar, para carregá-la.
– Por que pesas tanto, sendo tão pequenino?
– Porque trago nas mãos o mundo.
Havia muita meiguice na voz do
menino, tanta, que o gigante sentiu o coração aquecer-se.
– Por que trazes nas mãos o mundo? És muito poderoso?
– Sim.
– Porventura serás aquele Senhor
da Cruz que procuro? – tornou a perguntar o gigante, reparando que acima
do mundo que ele trazia nas mãos brilhava uma cruz dourada.
– Sim. Eu sou.
E assim o bom gigante acabou
servindo à cruz, a poderosa senhora, mais forte que todos os reis da terra, do
inferno e do céu.
(Ruth Guimarães,
Lendas e Fábulas do Brasil)
Fatos históricos
Cristóvão, antes do batismo,
chamava-se Réprobo, porém, depois, se chamou Cristóvão, que é o mesmo que dizer
aquele que carrega Cristo, pois ele carregou Cristo em seus ombros,
transportando-o e guiando-o; em seu corpo, tornando-o esquálido; em sua mente,
pela devoção; e em sua boca, confessando-o e pregando a sua mensagem. São
Cristóvão, o Hércules cristão, viveu na Síria. Foi martirizado no tempo de
Décio, imperador romano. A palavra Cristóvão significa - O que leva Cristo, o
que carrega Cristo. Cristóvão era de linhagem Cananeia, de estatura elevada e
ereta, rosto feio e aparência assustadora. Tinha doze cúbitos de comprimento. O
Martirológio Romano diz que ele sofreu o martírio na Lícia, sob o Imperador
Décio, morto por flechas e decapitado, após sair ileso das chamas, no ano 250.
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