Gaúcho é o nome que dão aos naturais
do Estado do Rio Grande do Sul. Mas houve um tempo que por aquelas bandas só
havia índios. E como a terra era linda, o clima agradável, o céu azul demais,
os crepúsculos espetaculares, os brancos resolveram se instalar por ali. Havia
uma tribo especialmente guerreira e ciosa das suas possessões. Eram os
Minuanos, ágeis como o vento, garbosos e atentos na guerra e no amor. Pois os
Minuanos enfrentaram os brancos com uma fúria notável.
Num dos combates os índios Minuanos
fizeram um prisioneiro. Reuniram-se os chefes e decidiram condená-lo à morte,
como advertência aos outros invasores.
Prepararam então uma linda festa. O vinho de cauim, as cores de enfeite,
as novas armas, as danças guerreiras, tudo foi antecipadamente ensaiado para o
grande dia da vingança. O prisioneiro ficou numa cela de taquara, dia e noite
vigiado por uma jovem índia da tribo. Não se falavam, mas os sorrisos e os olhares
logo construíram uma linguagem mais forte e profunda, a do amor. E a
carcereira, cada dia que passava, ficava mais triste ouvindo as reuniões dos
chefes, determinando a maneira como deveria morrer o intruso. Como não havia
nada que fazer, o jovem pediu à índia, por gestos de mímica, taquaras, corda
feita de tripa de capivara, restos de madeira e cola silvestre. Em silêncio, a
barba crescida, os olhos incendiados de simpatia pela jovem índia, que o
espreitava com a doçura
de uma criança, assim o prisioneiro foi construindo uma viola, mas nunca tocou.
Estava triste de pensar que ira morrer.
Chegou enfim o grande dia. Os assados
e a beberagem correram desde cedo, os homens estavam ais alegres e se
exercitavam com as lanças, disparavam em fogosos cavalos cobertos de pele de
onça e plumagem de papagaio. As mulheres desenhavam nos corpos curiosas formas
em verde e vermelho e gritavam muito enquanto atapetavam de flores o chão
batido da taba. Desde cedo o prisioneiro ficou amarrado a um tronco no centro
da praça. Só a índia estava triste; de longe, oculta atrás de uma bananeira,
olhava com profunda mágoa todo aquele movimento. Alta noite, o cacique
acompanhado do feiticeiro se aproximou do prisioneiro. Houve um silêncio
sepulcral, os olhos todos brilhavam. Era a morte que descia com seu sorriso
dourado. Então o cacique falou:
- Homem branco, tua hora é chegada!
E o feiticeiro acrescentou:
- Nossos deuses querem o teu sangue, porque és nosso
inimigo.
O jovem não dizia nada. Houve um momento
de silêncio. Dez jovens guerreiros ergueram suas lanças em direção ao peito do
prisioneiro. O cacique disse ainda:
- Antes de matar-te queremos que satisfaças teu
último desejo. O que gostarias de fazer agora.
O jovem não disse nada, olhou
comovidamente a jovem índia que lhe servira de vigia durante aquelas semanas de
espera. Olhou e ela, como se entendesse se aproximou dele. Trazia nas mãos a
viola que ele havia construído na prisão. O Jovem branco sorriu. A índia veio
de mãos estendidas com o instrumento intacto. Desamarrou o prisioneiro – havia
em torno um sussurro patético. Com
a viola , o moço branco dedilhou a mais suave canção, sua voz
se elevou com uma tristeza que fez tremer os mais empedernidos guerreiros.
Cantou, cantou como um pássaro no último dia do mundo. Havia amor, vibração e
nostalgia em seu canto. A índia, perto dele, chorava ajoelhada. Começou então
um murmúrio vindo de todos os lados, logo crescendo, a voz ficou nítida,
diziam:
- Gaúcho... gaúcho... – que queria dizer: gente que
canta triste. E todos se sentaram e ficaram ouvindo, esquecendo do ódio, da
vingança e do sacrifício. A alta lua encontrou o jovem branco dedilhando a
viola, calaram os pássaros ouvindo sua voz. E ele foi perdoado. Ficou com os Minuanos
e casou-se com a índia.
Tiveram muitos filhos e assim começou a raça gaúcha. Por isso, nas largas
noites ao pé do fogo com o chimarrão e a viola, ao ouvir-se a voz do homem do
sul cantando de amor e de saudade, ouve-se também um murmúrio longínquo, os
garbosos fantasmas da tribo Minuano, passando entre nuvens e chamando dolosamente:
“gaúcho... gaúcho...”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário