Mary Shelley
(1797 – 1851)
O poeta Byron, seu inseparável
amigo, o obtuso Dr. Polidori e mais o poeta Shelley e a sua deliciosa esposa
Mary, estão reunidos numa casa de Florença. É uma noite de outono. Lá fora o
vento agita as árvores doentes. Os quatro companheiros estão reunidos ao pé da
lareira acesa. Mary lê com sua voz doce um conto de Hoffmann. Os outros escutam
com atenção. Há fantasmas, assombrações e pavores na história. O uivo do vento
ajuda a impressionar.
Mary fecha o livro. Silêncio. Os
quatro amigos ruminam as fantasmagorias. Alguém faz uma proposta curiosa: Vamos
tentar nós quatro uma história de horror?
Dias depois estão todos
empenhados a escrever o conto combinado.
Shelley, o homem-fada, aéreo e
terno, não consegue criar fantasmas. Tudo que sai de sua pena é claro e belo. O
Dr. Polidori sua e bufa: sua pena é lerda e pesada como um carroção carregado
de pedras. Os seus fantasmas fazem rir. Byron chega ao meio de sua história,
joga a pena longe, nervosamente, e manda os fantasmas para o diabo. E é da
suave Mary, daquela criaturinha delicada e pálida, de lindas mãos transparentes
que sai a melhor história, a mais horrível e a que está destinada a vencer o
tempo. É o estranho caso de um médico que com pedaços de cadáveres faz um
monstro a que consegue dar vida.
Assim nasceu “Frankenstein”. O
seu monstro é um símbolo. No fundo as histórias que escrevemos são verdadeiros
monstros feitos de pedaços de recordações, de velhas experiências, influências
de leitura, lembranças de pessoas e coisas vistas. Tudo isso misturado dá o
conto ou romance. E, bem como na história de Frankenstein, o monstro acaba
dominando e matando o seu criador.
Cacoetes
Numa dessas admiráveis novelas
de William Somerset Maugham há uma personagem que tem o cacoete de dar de
ombros. São incontáveis as vezes que ela sacode os ombros no decorrer da
narrativa. Há um momento em chega até “dar de ombros mentalmente”. No fim a
gente não sabe se o cacoete é da personagem ou do autor.
E pensando bem, que é, no fundo,
a atitude de Somerset Maugham diante da vida senão um permanente, cínico e frio
encolher de ombros?
Carta do leitor desconhecido
- “Por
que é que seus livros são sempre impróprios para menores?”
Resposta melancólica:
- “Meu
caro amigo desconhecido: A vida é que é imprópria para menores.”
§ § §
(Da página “Biscoitos
Sortidos”, de Érico Veríssimo,
in “Almanaque do
Barão de Itararé de 1949.
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