sábado, 5 de abril de 2014

A origem de um monstro



Frankenstein


Mary Shelley

(1797 – 1851)

O poeta Byron, seu inseparável amigo, o obtuso Dr. Polidori e mais o poeta Shelley e a sua deliciosa esposa Mary, estão reunidos numa casa de Florença. É uma noite de outono. Lá fora o vento agita as árvores doentes. Os quatro companheiros estão reunidos ao pé da lareira acesa. Mary lê com sua voz doce um conto de Hoffmann. Os outros escutam com atenção. Há fantasmas, assombrações e pavores na história. O uivo do vento ajuda a impressionar.

Mary fecha o livro. Silêncio. Os quatro amigos ruminam as fantasmagorias. Alguém faz uma proposta curiosa: Vamos tentar nós quatro uma história de horror?

Dias depois estão todos empenhados a escrever o conto combinado.

Shelley, o homem-fada, aéreo e terno, não consegue criar fantasmas. Tudo que sai de sua pena é claro e belo. O Dr. Polidori sua e bufa: sua pena é lerda e pesada como um carroção carregado de pedras. Os seus fantasmas fazem rir. Byron chega ao meio de sua história, joga a pena longe, nervosamente, e manda os fantasmas para o diabo. E é da suave Mary, daquela criaturinha delicada e pálida, de lindas mãos transparentes que sai a melhor história, a mais horrível e a que está destinada a vencer o tempo. É o estranho caso de um médico que com pedaços de cadáveres faz um monstro a que consegue dar vida.

Assim nasceu “Frankenstein”. O seu monstro é um símbolo. No fundo as histórias que escrevemos são verdadeiros monstros feitos de pedaços de recordações, de velhas experiências, influências de leitura, lembranças de pessoas e coisas vistas. Tudo isso misturado dá o conto ou romance. E, bem como na história de Frankenstein, o monstro acaba dominando e matando o seu criador.

Cacoetes

Numa dessas admiráveis novelas de William Somerset Maugham há uma personagem que tem o cacoete de dar de ombros. São incontáveis as vezes que ela sacode os ombros no decorrer da narrativa. Há um momento em chega até “dar de ombros mentalmente”. No fim a gente não sabe se o cacoete é da personagem ou do autor.

E pensando bem, que é, no fundo, a atitude de Somerset Maugham diante da vida senão um permanente, cínico e frio encolher de ombros?

Carta do leitor desconhecido

- “Por que é que seus livros são sempre impróprios para menores?”
Resposta melancólica:

- “Meu caro amigo desconhecido: A vida é que é imprópria para menores.”

§ § §

(Da página “Biscoitos Sortidos”, de Érico Veríssimo,
in “Almanaque do Barão de Itararé de 1949.

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