sábado, 5 de abril de 2014

A Violeta Ambiciosa



Havia num bosque isolado uma bonita violeta que vivia satisfeita entre suas companheiras. Certa manhã, levantou a cabeça e viu uma rosa que se balançava acima dela, radiante e orgulhosa. Gemeu a violeta dizendo:

- Pouca sorte tenho eu entre as flores; humilde é meu destino! Vivo pegada a terra, e não posso levantar a face para o sol como fazem as rosas.

A Natureza ouviu, e disse à violeta:

- Que te aconteceu, filhinha? As vãs ambições apoderaram-se de ti?

- Suplico-te, ó Mãe Poderosa, disse a violeta. Transforma-me em rosa, por um só dia que seja.

- Tu não sabes o que estás pedindo, retrucou a Natureza. Ignoras o que se esconde de infortúnios atrás das aparentes grandezas.

- Transforma-me numa rosa esbelta e alta, insistiu a violeta. E tudo que acontecer será a conseqüência dos meus próprios desejos e aspirações.

A Natureza estendeu sua mão mágica, e a violeta tornou-se uma rosa suntuosa.

Na tarde daquele dia, o céu escureceu-se, e os ventos e a chuva devastaram o bosque. As árvores e as rosas foram abatidas. Somente as humildes violetas escaparam ao massacre. E uma delas, olhando em volta de si, gritou às companheiras:

- Hei!, vejam, o que a tempestade fez das grandes plantas que se levantam com orgulho e impertinência.

Disse outra:

- Nós nos apegamos a terra; mas escapamos à fúria dos furacões.

Disse uma terceira:

- Somos pequenas e humildes: mas as tempestades nada podem contra nós.

Então a rainha das violetas viu a rosa que tinha sido violeta, estendida no chão como morta. E disse:

- Vejam e meditem, minhas filhas, sobre a sorte da violeta que as ambições iludiram. Que seu infortúnio lhes sirva de exemplo!

Ouvindo essas palavras, a rosa agonizante estremeceu e, apelando para todas as suas forças, disse com voz entrecortada:

- Ouvi, vós ignorantes, satisfeitas, covardes. Ontem, eu era como vós, humilde e segura. Mas a satisfação que me protegia também me limitava. Podia continuar a viver como vós, pegada a terra, até que o inverno me envolvesse com sua neve e me levasse para o silêncio eterno sem que soubesse dos segredos e glórias da vida mais do que inúmeras gerações de violetas, desde que houve violetas. Mas escutei no silêncio da noite e ouvi o mundo superior dizer a este mundo:

- O objetivo da vida é atingir o que há além da vida. Pedi então à Natureza que nada mais é que a exteriorização de nossos sonhos invisíveis transformar-me em rosa. E a Natureza acedeu ao meu desejo. Vivi uma hora como rosa. Vivi uma hora como rainha. Vi o mundo pelos olhos das rosas. Ouvi a melodia do éter com o ouvido das rosas. Acariciei a luz com pétalas das rosas. Pode alguma de vós vangloriar-se de tal honra? Morro agora, levando na alma o que nenhuma alma de violeta jamais experimentou. Morro, sabendo o que há atrás dos horizontes estreitos onde nasci. É este o objetivo da vida.



Gibran Khalil Gibran


2 comentários:

  1. Agradeço muito a publicação. Gibran povoou os sonhos de tanta gente! Vale a pena conhecer esse conto aparentemente simples. Na verdade, Gibran entrou na alma dos leitores com o mesmo amor e conhecimento humano que vimos e sentimos em Dostoiévski.
    Boa leitura!

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