segunda-feira, 14 de abril de 2014

Álvaro Moreyra



(1888 – 1964)

Þ O nome era vagamente comprido: Álvaro Maria da Soledade de Pinto da Fonseca Velinho Rodrigues Moreira da Silva. Reduzi a Álvaro Moreyra, com um y encarregado de representar as supressões. Isso perante o público. Na intimidade fiquei sendo o Alvinho... O meu registro de batismo não muda de opinião: declara sempre que nasci no dia 23 de novembro de 1888. Quase um ano depois, aconteceu a República.

Þ No salão da Faculdade de Direito, cheio de estudantes, puxei do bolso um revólver, apontei-o para Carlos de Azevedo, com o grito de um drama em cena no Coliseu: - Chegou o dia da vingança! - Pum! O tiro partiu. Felizmente, sempre fui mau atirador. Não matei ninguém. Carlos de Azevedo era o meu melhor amigo do curso. Eu estava convencido de que o revólver não tinha nenhuma bala...

Þ Certos pobres nascem com a vocação de ricos. Gozam a pequena vida. Certos ricos nascem com a vocação de pobre. São uns desgraçados.

Þ O corpo é bonito. Mas entristece. Desatina. O que importa é a alma. A alma restabelece tudo... tudo que ardeu, submergiu, tombou, se decompôs. Então a gente se lembra das belas chamas, dos repuxos atirados para as nuvens, dos prados coloridos, das maravilhas de tantas manhãs nascendo, de tantas tardes morrendo... Imagens, sentimentos, ideias.

Þ Como esta hora se prolonga! Tão azul, tão clara, tão risonha! Tarde de vinte anos, para se guardar no coração, como o provérbio bem sentiu: “sempre se têm vinte anos, num canto do coração”.

Þ Escurece. O dia morre pensando na manhã...

Þ Penso no campo. Vejo-o coberto de flores. Se eu fosse lá, não apanharia nenhuma flor. Daria todas para a beleza da manhã.

Þ O que sentimos, o que dizemos, outros sentiram, outros disseram. Não te magoes por isso. Perfume das rosas volta em todas as rosas, e vê como o nosso jardim é lindo...

Þ Nunca fiz um julgamento. Absolvi logo...

Þ Máquina, não. Gosto de acariciar as palavras com a pena.

Þ O que o sábado tem de bom é a esperança de que amanhã é domingo.

Þ Provérbio chinês: - Se não puderes evitar que o aborrecimento entre na tua casa, não lhe ofereça cadeira.

Þ Então como vai? - Cultivando o meu diabetezinho... - E havia doçura de verdade nas suas palavras.

Þ Nunca é tarde para ir mais longe...

Þ Um homem de minha devoção definiu uma mulher: “É tão verdadeira que, de começo, tem o ar um pouco simples. É preciso olhá-la muito tempo para a ver”. E definiu a vida.

Þ Nesta idade eu podia repetir o que dizia aquela senhora alemã, de Santa Maria da Boca Monte, sempre que se confessava: - “Eu não matei, eu não roubei, tudo mais eu fiz”.

Þ Vivo de improviso, apesar de viver sem eloquência.

Þ É mais fácil esquecer um grande amor do que um número de telefone...

Þ O tempo feliz é sempre o tempo que passou. Embora, nesse tempo, se tivesse sido muito desgraçado...

Þ Benedita, a poetisa cega, me contou: - Nós não podemos ver as expressões fisionômicas, porém conhecemos melhor, pelas mudanças da voz, as coisas que pensa uma pessoa que está dizendo outras coisas.

Þ Um crítico literário perguntou domingo: “Que quer dizer Hamlet quando disse: - Ser, ou não ser... eis a questão? Eu acho que Hamlet quis dizer justamente: - Ser, ou não ser... eis a questão.

Þ Gosto disto aqui. Aprendi, mais ou menos, o jeito que isto tem. Não me zango. Não me lamento. Vou indo. Há tanta coisa bonita!

Þ Sempre olhei para os jardins, com doçura e gratidão. Eles são as minhas aldeias. Tão sossegado! Só nos jardins há amores-perfeitos. Só nos jardins, os cravos não são para crucificar, nem ferrar. E as rosas, que sinceridade!

Þ Não é envelhecer que entristece, - e não encontrar mais moços... Parece que a minha geração foi a última que teve vinte anos...

Þ Sou contra o equilíbrio. Acho que a gente deve cair para poder levantar-se...

Þ Vagabundo feliz. Vai cantando e criando a música que sai do canto e é a sua música. Homem sem rumo. Caminha para onde a estrada o leva. Ser. Coisa. Sentimento encarnado. Natureza viva.

Þ A bondade é uma coisa que não podemos passar adiante; ela volta sempre.

Þ Tenho reparado que as pessoas mais inimigas dos preconceitos são as mais cheias de preconceitos. Quando expõem os seus modos de ver, parecem umas. Quando veem, parecem outras...

(Do livro “As amargas, não...”)





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