sexta-feira, 4 de abril de 2014

As infecções

               

A propagação das moléstias transmissíveis está fazendo com que os médicos, no propósito de impedir o contágio, aconselham ao público o maior cuidado com certos objetos facultados ao uso comum. Ninguém se deve assoar com lenço alheio nem lançar mão, na rua, das pontas de charuto e dos palitos utilizados. As escovas de dente devem ser para uma única pessoa, raramente para duas, e nunca mesmo nos casos de maior necessidade, para três.

O indivíduo mais cauteloso que já houve nesse particular foi, porém, o explorador inglês William Forster, cujas proezas circulam repetidas, hoje, nas páginas dos almanaques europeus. William Forster, que não usava gelo sem mergulhar, antes na água fervendo, para matar os micróbios, fazia a sua última travessia do continente africano quando, nas proximidades de El Facher, no Sudão Egípcio, foi assaltado por uma centena de negros, que lhe apreenderam a comitiva. Levado para uma senzala do deserto, foi o pobre sábio britânico amarrado a um poste, a fim de ser, em seguida, sacrificado à fome da tribo.

A situação de William era a mais aflitiva. Inteiramente em pêlo, com o chapéu enterrado até as orelhas, o seu corpo tremia de tal forma que abalava, da base ao cimo, o tronco de madeira que o detinha subjugado. Achava-se ele nessa situação, quando saiu, de repente, de uma palhoça, mostrando os dentes, pulando como um demônio solto, um preto de estatura agigantada, que empunhava um facão formidável, pronto para decepar, de só golpe, a cabeça do prisioneiro. Mister William olhou, horrorizado, a grande lâmina enferrujada, e apenas perguntou, num gemido:

- O facão está desinfetado?

O bacteriologista Herbert Saunders, da Universidade de Oxford, que encontrou no areal, dias depois, a cabeça do sábio inteiramente separada do corpo, levou-a no ano seguinte para a Inglaterra, onde se discute, ainda hoje, com veemência, se William Forster morreu do golpe do cutelo ou se foi, apenas uma vítima da infecção.

(Do livro Tonel de Diógenes
de Humberto de Campos)


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