Negro Velho é águia como ele só.
Estava a roda em animada palestra na porta da botica do major Modesto, em
Itapema, quando chegou Negro Velho de chapéu na mão e foi logo perguntando:
– Suncês num são capais di mi dizê
quem é que é o home de mais de bem daqui da cidade?
– É o padre João, o vigário. Um
homem muito sério.
– Num vê qui eu tô cum quinhento mil
réis aqui n’algibeira. Eu vou viajar, são capais di robá eu... ladrão
tá cheio aí.
Intão vô dá
os quinhento mil réis pro padre
guardá pra mim.
Logo na esquina estava formado outro
grupo a conversar. O Negro Velho fez a mesma pergunta e obteve a mesma
resposta.
– Vó de viagê, e agora eu vô pedi
pra seu vigário guardá a nota de quinhento. Uma nota nova… que tá estralando no
dobrar.
Repetiu a cena em diversos pontos da
cidade. E desapareceu.
Daí um mês, surgiu na casa do vigário.
Daí um mês, surgiu na casa do vigário.
– Sô vigário, eu vim buscá os
quinhento mil réis que dei pra vassuncê guardá pra mim.
– Que quinhentos mil réis,
homem? Você está maluco? Eu nunca te vi mais gordo, seu…
– Ah, seu padre! Num faça isso cum
Nego Véio. Cidade inteira sabe que eu dei quinhento mil réis pra vassuncê guardá
pra mim. Testemunha tá cheio. Tá
bulindo de testemunha aí que sabe.
– Puxa daqui, seu velhaco! Seu
tratante!
Negro Velho saiu. Justou o rábula e acionou o vigário.
Na primeira audiência, compareceram as partes e as testemunhas. Perguntou o juiz:
Negro Velho saiu. Justou o rábula e acionou o vigário.
Na primeira audiência, compareceram as partes e as testemunhas. Perguntou o juiz:
– Senhor vigário, este homem alega
que lhe deu quinhentos mil réis para guardar. É falso?
– Num é mentira não, sô dotô. Era
uma nova, cum aqueles oião grande, grande!
Um fazendeiro, amigo do vigário, a
fim de poupar-lhe incômodos, interveio, dirigindo-se ao preto:
– Onde é que você está com a
cabeça, homem? Você não deu os
quinhentos mil réis pro padre guardar. Você deu os quinhentos mil réis foi pra
eu guardar.
– Não sinhô! Esses foi outros quinhento
mil réis. Depois num vá querê negá também, uai!
§ § § § §
Numa Escola sertaneja
Entrei na sala de aulas da escola
sertaneja. Os alunos, barrigudinhos, de pernas finas como sabiás, de cabelos
compridos como beiradas de rancho de sapé, levantaram-se e ficaram firmes como
estátuas. Mandei-os que se sentassem, e a professora fez uma demonstração de aula,
dizendo que há
apenas três meses organizara a sua classe.
– Formação de frases! Seu Joãozinho, organize uma frase terminando
com a palavra rico.
– Muito bem! Agora outra frase terminando em cera.
– Buona cera.
Rimo-nos, e a professora continuou:
– Seu Chiquinho, quantos sentidos nós temos?
– Cinco sentidos.
– Seu Rafael, para que serve a boca?
– A boca? Pra gostá.
– Seu Maneco, para que serve o nariz?
– O nariz? Pra cheirá.
– Seu Julinho, para que servem os olhos?
– Os óio pra oiá.
– Seu Mingote, um sentido que temos bem pronunciado nas palmas das mãos? Para que serve?
– Pra aparpá.
– Agora o senhor, seu Salvador, para que é que serve a orelha?
– A oreia? A oreia… pra ponhá toco de cigarro.
– Meninos, um grão de milho e mais um grão de milho, quantos são?
– Dois!
– Muito bem! Dois grãos de milho, mais um?
– Três!
– Perfeitamente! Agora três grãos de milho e mais dois?
– Sete!
– Não! Pensem bem. Tenho fechado na palma da mão três grãos de milho e mais dois. Quantos são?
– Um punhadinho.
– Como o senhor vê, isto até me faz rir sozinha algumas vezes. Vai o senhor ouvir o mais atrasadinho da classe. Seu Salvador, quem de cinco tira três, quanto é que fica?
– Oito!
– A professora é rico!
– Ora, o senhor está me
envergonhando. Lá o senhor, seu Salatiel.
– O boticário é rico.– Muito bem! Agora outra frase terminando em cera.
Toda a classe pôs-se a pensar,
até que um ruivinho, dos olhos azuis, deu sinal de que sabia.
– Diga o senhor, seu Joanim.
Uma frase terminando em cera.– Buona cera.
Rimo-nos, e a professora continuou:
– Seu Chiquinho, quantos sentidos nós temos?
– Cinco sentidos.
– Seu Rafael, para que serve a boca?
– A boca? Pra gostá.
– Seu Maneco, para que serve o nariz?
– O nariz? Pra cheirá.
– Seu Julinho, para que servem os olhos?
– Os óio pra oiá.
– Seu Mingote, um sentido que temos bem pronunciado nas palmas das mãos? Para que serve?
– Pra aparpá.
– Agora o senhor, seu Salvador, para que é que serve a orelha?
– A oreia? A oreia… pra ponhá toco de cigarro.
– É como
o senhor vê.
A classe está nesse atraso, mas daqui a um ano será
outra, pois as
crianças brasileiras são inteligentíssimas. O senhor está estranhando este monte de livros
em cima da mesa? Vou mostrar-lhe a utilidade que têm.
Encurvou a palma da mão
esquerda, e começou:– Meninos, um grão de milho e mais um grão de milho, quantos são?
– Dois!
– Muito bem! Dois grãos de milho, mais um?
– Três!
– Perfeitamente! Agora três grãos de milho e mais dois?
– Sete!
– Não! Pensem bem. Tenho fechado na palma da mão três grãos de milho e mais dois. Quantos são?
– Um punhadinho.
– Como o senhor vê, isto até me faz rir sozinha algumas vezes. Vai o senhor ouvir o mais atrasadinho da classe. Seu Salvador, quem de cinco tira três, quanto é que fica?
– Oito!
– Não é aumentar, menino! É diminuir!
Tirar. Preste bem atenção. Quem de cinco dedos tira três dedos
tira três dedos, o que é que fica?
– Fica aleijado!
(Transcritos do cd Som da Terra; Cornélio Pires.
Warner Music Brasil, 99)
Warner Music Brasil, 99)
Cornélio Pires – 1884 - 1958
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