sexta-feira, 4 de abril de 2014

Barbosa, condenado à morte em vida

         
 

Aos 34 minutos da segunda etapa, Julio Perez passou pela marcação brasileira e tocou para Ghiggia, sempre pela direita. Ele devolveu ao companheiro e partiu em velocidade, para receber nas costas de seu marcador, Bigode. O goleiro brasileiro Barbosa pressentiu que a jogada do primeiro gol poderia se repetir e se afastou da trave esquerda. Livre de marcação, pois Juvenal estava indo em direção a Schiaffino, Ghiggia correu e, ao invés de cruzar como no primeiro gol, chutou forte, rasteiro, exatamente no canto que Barbosa havia deixado: Uruguai 2×1 Brasil. Silêncio no Maracanã. Faltando apenas 11 minutos para o fim do jogo, o time Celeste conseguia o que muitos acreditavam ser impossível. O Brasil não teve forças para empatar e, aos 45´, o juiz inglês George Reader cumpriu a pontualidade britânica e apitou o final do jogo, sem esperar a conclusão de um lance de perigo a favor do Brasil. Era o fim. O Uruguai, 20 anos depois, conquistava a Copa do Mundo, se igualava à Itália e era bicampeão mundial. O Brasil, favorito, com o melhor ataque da competição e jogando em casa, ficava como vice.

(Do Blogue Imortais do Futebol)

Maracanã, 16 de Julho de 1950, 16h19min.  Todo o povo brasileiro é testemunha do disparo fatal de Ghiggia a Moacyr Barbosa, o goleiro de Brasil. Corre o minuto 61 da final do Mundial. 200.000 espectadores e 100 milhões de brasileiros param de sambar. Emudecem os tambores.  Moacyr Barbosa jaz no gramado e não se levantará até sua morte em 2000.

O disparo letal de Ghiggia é o "maracanaço", a derrota trágica do Brasil ante o Uruguai por 2 a 1 em seu próprio e flamejante Maracanã. Os brasileiros começam a derramar rios de lágrimas ao Amazonas, mas nenhuma para Moacyr Barbosa, que começa sua via crucis. Uma via crucis, de verdade: em 1963, leva ao seu jardim as malditas traves de madeira, de paus quadrados que a administração do Maracanã presenteou-lhe! Com as traves malditas e uns amigos de passagem, fez lenha e churrasco. Descreveu o disparo letal: “foi um chute disfarçado de cruzamento, acreditava que Ghiggia iria cruzar, como no primeiro gol. Tive que voltar, a bola subiu e baixou e cheguei a tocá-la, crendo que a desviava a córner... Quando escutei o silêncio do estádio,  me armei de coragem, olhei para atrás e vi o couro na rede”.

Em 1993, uma televisão leva Barbosa a uma partida de preparação do Brasil, previamente ao mundial de 1994, para uma entrevista. Um diretor da CBF o expulsou: “levem a este senhor daqui, só traz más lembranças”. Barbosa, nunca revelou quem foi esse alto diretor, mas disse: “No Brasil a pena máxima é de 30 anos. Eu faz 43 anos que pago por um crime que não cometi”.

Uma condenação que não se entende: foi nomeado o melhor goleiro do Mundial 50, melhor goleiro de sua geração e para muitos críticos e amantes do futebol, Barbosa foi o número um da história do Brasil. Com Barbosa nas traves, entre 1945 e 1958, o Vasco da Gama ganha 7 títulos cariocas e seu maior prestigio universal, além de um título sul-americano em 1948 contra o River Plate. Esse dia Barbosa parou um pênalti capital a Labruna... porque “sabia onde os disparava”. Com a seleção brasileira, foi titular 35 vezes entre 1946 e 1953, e ganhou o Campeonato sul-americano de 1949, onde sua participação foi  decisiva em uma das melhores equipes do Brasil de todos os tempos. Uma perna quebrada contra o Botafogo, em 1953, o privou do Mundial de 1954 na Suíça.

Moacyr Barbosa nunca foi punido em 20 anos. Foi um arqueiro moderno, um pioneiro, participava muito, saía, inspirava confiança, era espetacular, naturalmente ágil como os de sua raça, mas o justo... sóbrio também... Em 1962, lesionado, se retirou definitivamente para terminar de cumprir sua condenação, até sua morte em uma cama de miséria e maldição no dia 7 de Abril de 2000. Muitos afirmam que sua condição de negro foi a razão de sua condenação à morte em vida, em um Brasil multirracial e cosmopolita, mas socialmente racista.






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