domingo, 13 de abril de 2014

O Brasil anedótico II



Frases históricas que resumem a crônica do Brasil-Colônia,
do Brasil-Império e do Brasil-República.

A Frase de Badaró

J.M. de Macedo - "Ano Biográfico", vol. III, pág. 48.

Italiano, embora, de nascimento, Libero Badaró sente-se, ao chegar ao Brasil, atraído pela grande luta que então se travava pela nacionalização do Império nascente. Arrebatado por uma das torrentes de paixões, funda, com outros, em S. Paulo, o Observador Constitucional, que exerce, de pronto, enérgica influência sobre a opinião pública.
Na noite de 30 de novembro de 1830 sai Badaró da residência de um amigo quando, na esquina, é assaltado por dois indivíduos embuçados, os quais o alvejam com tiros de pistolas. Ferido gravemente, é levado para casa. Cercam-no amigos, discípulos, companheiros. Querem operá-lo, mas ele opõe-se. Médico, sabe que o ferimento é de morte. Aproxima-se a agonia. Badaró ergue-se, então, em um dos cotovelos, e exclama, como iluminado:
 Morre um liberal, mas não morre a liberdade!

O Calo

Ernesto Sena - "Notas de um repórter", pág. 186.

Paula Ney, o maior desperdiçador de talento que o Brasil já possuiu, não perdoava os seus desafetos e, ainda menos, as nulidades pretensiosas que prosperavam no seu tempo. Conservava-se, uma tarde, em um grupo na rua do Ouvidor, sobre o prestígio da imprensa, quando um dos presentes, que se dizia jornalista, aventurou, acaciano:
 A imprensa é um grande corpo...
 É... é... - atalhou Paula Ney, piscando por trás do "pince-nez". - A imprensa é um grande corpo. Mas você, nesse corpo...
E sem temer a reação:
 É o calo do dedo mínimo do pé esquerdo!...

A Morte de Laurindo Rabelo

Melo de Morais Filho - "Artistas do meu tempo", pág. 182.

De origem cigana, Laurindo Rabelo tinha de ser, e era fatalista. Semanas antes da sua morte, era comum ouvi-lo dizer, com profunda convicção:
 Deixarei de existir no dia e mês em que morreu meu pai.
E assim sucedeu, efetivamente. No dia em que tinha de fechar os olhos, pediu que chamassem um padre, pois desejava receber a extrema unção. Este compareceu, e o poeta, sabendo-o no compartimento anexo, abraçou a esposa, pedindo-lhe:
 Lê para mim a oração dos agonizantes.
E após a leitura, afagando-a:
 É bom que eu morra primeiro, para te ensinar como se morre...

Colegas...

Ernesto Sena - "Notas de um Repórter", pág. 185.

Após a sua entrada para a pasta da Fazenda, havia o conselheiro Francisco Belisário Soares de Sousa recorrido, já, três vezes, ao crédito do país no estrangeiro, quando, ao passar um dia pela rua do Ouvidor, ouviu que alguém o saudava, alto:
 Bom dia, Senhor Conselheiro, meu amigo e colega!
O ministro voltou-se, e, vendo Paula Ney, de chapéu na mão, numa reverência, correspondeu, atrapalhado, ao cumprimento. E Ney, logo, com o mesmo sorriso:
 Colega, sim... Porque... Vossa Excelência também não vive de empréstimos?

Respeito à Etiqueta

J.M. de Macedo - "Ano Biográfico", vol. I, pág. 312.

O doutor Antônio Ferreira França, que foi deputado geral pela Bahia em quatro legislaturas, entre 1823 e 1837, era não só um dos oradores mais espirituosos da Câmara como um dos médicos mais ilustres do seu tempo. Sentindo-se Pedro I doente, ordenou que chamassem o médico baiano, o qual compareceu prontamente. 
No correr da visita, o imperial enfermo sentiu sede, e o doutor França, que nada entendia da etiqueta da Corte, encheu um copo d´água, e ia dar-lhe, quando um dos camaristas o deteve, brusco, dizendo-lhe que não lhe cabia aquela honra, que só a ele competia dar água ao Imperador. O doutor Ferreira desculpou-se quanto pôde e, voltando ao Paço no dia seguinte, sucedeu que estando sozinho com o monarca, este manifestasse desejo de verter água. O "criado-mudo" estava ao alcance da mão, mas o doutor França resolveu vingar-se; correu à porta do quarto, abriu-a, e, as mãos em concha, gritou para o corredor:
 Quem é o do vaso?!... Venha, quem é o do vaso!...

Conselho de Sábio

Ernesto Sena - "Notas de um Repórter", pág. 162.

Era o conselheiro Ferreira Viana ministro do Império, quando, em visita à Casa de Correção, teve a sua atenção solicitada por um rapaz de maneiras distintas, fisionomia simpática, mas triste, que lhe pedia licença para duas palavras.
 Então, qual o seu crime? indagou Ferreira Viana, com o seu ar bonachão.
 Senhor, eu abusei da honestidade de uma menor.
 A quantos anos de prisão foi condenado?
 A quatro; já aqui estou há dois, e faltam-me ainda dois. Se, porém, Vossa Excelência quiser proteger-me, obtendo o meu indulto, eu me comprometo a casar com a ofendida.
 Olhe, quer um bom conselho, um conselho de amigo? - observou-lhe Ferreira Viana, com interesse.
E batendo-lhe no ombro, paternal:
 Cumpra o resto da pena...


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