-
Roubaram-te – disse ele ao judeu, - este cavalo manca muito.
- Eu bem sei, porque fui eu
quem lhe enterrou um prego no pé para depreciar justamente o animal.
O curioso corre então atrás do árabe
e lhe diz:
- Foste embrulhado, meu
amigo, porque foi o judeu que fez o cavalo mancar.
- Tu me fazes rir, -
respondeu o árabe. – Eu bem vi o truque do espertalhão, mas o meu cavalo é
manco de nascença.
O curioso volta ao judeu e conta o
que sabia.
- Ah! – disse ele, – que
espertalhão é esse árabe! E eu que começava a ter escrúpulos de lhe haver
passado uma nota falsa de cem rublos!
* * * * * * *
Fábulas de Balthazar de Pereira
Os cabos dos machados
Sem glória, sem troféus, hunos conquistadores
invadem de repente
a mata, os lenhadores.
Nos ombros, ao sol quente
dos machados fatais, as lâminas polidas,
brilham sinistramente.
– Que vêm eles fazer? – perguntam encolhidas
e pálidas de medo
as árvores transidas.
– Vêm decepar-nos, vêm – diz-lhes quase em segredo,
o funéreo cipreste,
vigia do balsedo.
Há quem chore ou proteste?
Junto ao escarcéu brutal de monstros desonrados
Nenhum pavor ateste.
De nós somente, irmãs, hoje aqui nos queixemos...
Os cabos dos machados
fomos nós que lhes demos.
Vingança do martelo
Um pedaço de ferro, ardente e incandescido
da fornalha saiu e à bigorna atirado,
sem compaixão batido,
negros males gemeu:
– Quando, martelo irado,
me livrarei de ti? Sorte mesquinha e dura!
Tu me punges sem dó, calmo, implacável, frio
no excesso da tortura...
E que serei depois? Mudar-me-ás de feitio?
Serei barra ou varão: Sereia varão ou chapa?
Venturoso de mais, do suplício tremendo
o pobre humilde escapa;
transforma-se em martelo e hoje – destino cego –
hoje de cima esquece os passados horrores,
ferindo, arrebentando as cabeças de pregos,
surdo a gritos e dores.
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