O homem com orelhas de abano se
aproximou do menino que voltava do colégio trazendo pela mão um macaquinho
vestido de marinheiro:
- Você não devia sair de
casa com esse macaquinho. Está fazendo muito frio e é um bichinho muito frágil.
- Todo
dia eu levo ele pro colégio e nunca aconteceu nada – disse o menino.
Meia hora depois que o menino
chegou no seu apartamento e o macaquinho começou a dar mostras de tristeza. Não
quis comer. Uma semana depois lá se foi o macaquinho.
**********
A senhora gorda correu para
atravessar a rua sem olhar para o lado da contramão. Deu um esbarrão num homem
parado na esquina, derrubando o embrulho de compras que acabara de fazer.
- Desculpe... – disse ela
notando que o homem tinha umas orelhas de abano engraçadíssimas.
- De
nada. A senhora não deve atravessar sem olhar nas duas direções. É perigoso.
- Mas essa rua é de mão
única. Eu olhei na direção dos carros – explicou a gorda senhora enquanto o
homem de orelhas de abano lhe ajudava a apanhar os embrulhos. – Depois, há
quinze anos que eu atravesso aqui e nunca aconteceu nada.
- Eu sei, mas pode vir um
louco na contramão – respondeu enquanto se afastava, suas orelhas balançando ao
vento da tarde.
A
senhora gorda foi atropelada na próxima esquina. Por um carro que vinha
justamente na contramão.
**********
Os dois
caixeiros-viajantes avançaram um pouco mais na fila de embarque, protegendo-se
da chuva.
- Eu
pensei que você não tinha conseguido lugar – falou o primeiro.
- E
não tinha mesmo. Cheguei em cima da hora e já estava tudo lotado.
- Então
como é que você está embarcando?
− Por acaso. Tem um cara, um
desses apavorados, que resolveu desistir da viagem e me vendeu a passagem dele.
Disse que com o temporal, um ônibus velho como esse podia despencar numa curva
– contou o segundo, rindo do absurdo.
-
Puxa, que sorte! Quem foi o sujeito? – perguntou o amigo.
-
Aquele ali que está indo embora. Aquele de orelhas de abano.
(Do livro “O
astronauta sem regime”, de Jô Soares)
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