− Arbitragem,
disse o juiz, depende de sorte. Não, não é que tudo dependa da sorte. A sorte
ajuda sempre. Mas em arbitragem ou o sujeito tem sorte ou não tem nada.
Exemplo? Dou um. Está aqui mesmo. Minha carreira de juiz terminou por falta de
sorte. Não, até que eu era bom. Era mesmo. Conhecia a regra, tinha um olho
infalível, um preparo físico excepcional e sabia a hora de apitar. O que eu não
tinha era sorte e isso curso nenhum dá para ninguém. Eu estava com tudo pronto
para passar para primeira divisão. Tenho recorte de jornal lá em casa. Me chamavam de
“Apito de Ouro”. Naquele tempo, um juiz ganhava duzentos reais para apitar. Eu
cheguei a cobrar quinhentos. Era o juiz, modéstia à parte. Mas eu sabia que não
tinha sorte. É engraçado, mas por dentro eu sabia. Só estava esperando o dia.
Aí me contrataram para apitar um jogo numa cidade aí da serra. Jogo brabo.
Entrei e fui aplaudido. Aí está a prova do respeito que o pessoal me tinha. E
começou a partida. Eu marcando em cima. Não deixava passar nada. Zero a zero. É, zero
a zero Jogo para inimigo. Eu tomando um cuidado louco. Apitava e explicava o
lance: “ergueu o pé demais, conduziu a bola com a mão”. Mas o time da casa
estava ficando meio louco e eu vendo que alguma coisa ia acontecer. Nisso o
time da casa ganha escanteio. Fui para a área com o olho que era um aço.
Escanteio foi a maior invenção do futebol. O jeito é dar logo a falta de um
atacante, como fazem os juízes de hoje. Falta do atacante e pronto, ninguém
discute, porque em escanteio todo mundo se empurra mesmo. Mas eu resolvi dar
uma de bom. Não tinha nada que fazer isso, mas resolvi fazer. Fiquei ali e
mandei chutar. Veio a bola lá de cima, o goleiro deu de soco, a bola foi para
fora da área, um lateral tornou a jogar para dentro. Minha cabeça parecia um
pião. Eu olhava tudo, acompanhava tudo. Nisso, o zagueiro rabeia, a bola me
encobre e ouço bem atrás de mim: “Deixa!”, e pam parte o tiro e gol. Mas no que
a bola partia eu já apitava com todos os pulmões que tinha. E em seguida
berrei. “Falta técnica”. Correu todo para cima de mim. “Falta técnica”, eu
berrava, “Falta técnica”. O capitão do time já chegou me cuspindo todo. Botava
baba pela boca: “Que falta técnica, seu?“. E eu não tive dúvidas: “Gritaram
deixa, não pode. Gritaram deixa e é falta técnica”. Mas o capitão do time não
se conformou: “Quem foi que gritou, seu?” São momentos decisivos na vida de um
homem. Me virei como um raio e apontei para o baixinho que tinha chutado: “Foi
ele que berrou deixa.” Foi um ronco só no time deles; “Logo o mudinho, seu
ladrão!” E aí comecei a apanhar do time inteiro. Veja o meu azar, com onze ali
à disposição, fui logo apontar para um mudo. Deram em mim e na minha carreira.
Nunca mais apitei nenhum jogo.
“História de Futebol”, de Sérgio Jockymann
Nenhum comentário:
Postar um comentário