quinta-feira, 3 de abril de 2014

Dois poemas de Ferreira Gullar




1930 - 20176

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.


Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Um instante

                                   Aqui me tenho
Como não me conheço
           nem me quis
sem começo
nem fim
           aqui me tenho
           sem mim
nada lembro
nem sei

à luz presente
sou apenas um bicho
           transparente

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