sábado, 12 de abril de 2014

Fim da viagem



Por Mauro Ventura

As férias chegam ao fim, volto ao Rio, mas trago na bagagem recordações de Lisboa. Ao contrário dos cariocas, tão afetuosos e expansivos, os portugueses carregam em si um formalismo que chega a ser engraçado.  A turista brasileira perguntou a um passante:

- Eu queria ir para o Mosteiro dos Jerônimos. 

- Ora, minha senhora. A senhora vai para onde quiser - ouviu de volta.

Um amigo português me explica que ela deveria ter perguntado de outra forma:

- Boa tarde.  Por favor, o senhor sabe me informar como faço para ir ao Mosteiro dos Jerônimos?

Outro conhecido estava procurando a Rua do Ouro, como é popularmente chamada a Rua Áurea. Roda daqui, roda dali, já estava perdido havia uns 30 minutos, quando resolveu pedir ajuda a um guarda:

- O senhor sabe onde fica a Rua do Ouro? 

- É aqui mesmo.

- Mas na placa está dizendo Rua Áurea! 

- Se o amigo soubesse um pouco de latim... - ironizou o policial. 

Em Lisboa, o ritmo das coisas é mais lento. Eu estava no ônibus quando duas brasileiras, afobadas, começaram a empurrar as pessoas à frente na tentativa de descer mais rapidamente.
  
Um português virou-se e disse:

- Em Portugal, tem-se que ter calma.

Uma das figuras mais agradáveis que reencontrei foi o jornalista Duda Guenes. Ele mora em Portugal desde 1974 e é um frasista de primeira. Uma delas: "Isso é mais falso que folclore baiano".

Pernambucano, Duda diz  que  a melhor definição que já encontrou do Brasil foi no  estatuto  de  uma gafieira  no  Recife. Um dos itens dizia: "Proibido dançar mais de uma vez com a mesma dama. Mas, se quiser, pode."

Duda tem um amigo que coleciona bens imateriais. Mais especificamente, apertos de  mão. O sujeito tem anotadas todas as mãos importantes que já apertou, de JK a Rita Lee e Rita Pavone.

Mas a figura  mais  inusitada  de  Lisboa  pode  ser vista  toda madrugada numa esquina  da cidade. É um senhor distinto, de família aristocrática, vestido de blazer, que passa a noite dando  tchauzinho  e sorrindo para todos os carros que passam. Numa dessas noites, meu pai resolveu  retribuir  o cumprimento e recebeu em troca um dos sorrisos de felicidade mais genuínos que já vi.

Enquanto isso no Brasil...

O melhor de Paris talvez seja atravessar o sinal sem olhar para os lados. Turista tende a idealizar a cidade que visita, mas a verdade é que aqui os carros - e bicicletas - param a qualquer  hora  do  dia  e da  noite.  No Rio, é com solavancos na alma que passamos por qualquer cruzamento, mesmo à tarde.

Lembro o dia em que passei com a luz verde e um taxista que vinha na outra rua furou o sinal e berrou para mim:

- Seu egoísta!

Tudo porque eu não parei e o deixei ultrapassar o sinal vermelho em paz. Dia desses, em Ipanema, no começo da tarde, uma senhora esperava pacientemente o sinal abrir.  O homem que vinha no carro de trás buzinava com insistência. Quando viu que o barulho não ia forçar a brava motorista a desrespeitar a lei, ele apelou:


- Tá pensando que está na Suécia, ô perua!

Minha amiga brasileira, com quem almoço no bairro árabe de Ménilmontant, em frente à igreja onde Brian De Palma filmou a cena mais impressionante de “Femme fatale”,  diz  que  eu não vi nada. Certa vez, no Rio Comprido, ela teve que se desviar e quase caiu no canal por causa de um taxista que  furou o sinal e ainda por cima a xingou:


- Sua  filha da p...! Eu sou homem e a prioridade é minha.

Pelas ruas de Paris

Anoitece e um vento frio substitui o calor que havia feito de dia. Na porta de um banco, um mendigo toma vinho e lê o jornal.

Minha atenção é desviada para uma aglomeração de carros de polícia, cena rara em Paris.  Mas eles estão ali  para cuidar do  trânsito  e  permitir  que  centenas  de patinadores  deslizem pela cidade em segurança. Juntos, vão também alguns policiais-patinadores.

Entro numa livraria.  Vejo Fernando Pessoa numa  estante  e  penso  em como "Livro do desassossego" soa muito mais poético do que "Le livre de l'intranquilité".

Pego o metrô.  Já passa das dez da noite.  No vagão, um rapaz abre seu notebook e  começa  a escrever no computador. Duas moças tiram fotos uma da outra com uma câmera digital. Uma jovem ouve música no seu ipod. Outra abre a carteira e começa a contar o dinheiro.

Salto perto de um parque lindíssimo, rodeado de prédios milionários. Um deles chama a atenção pela beleza.

De curiosidade, dou uma olhada no interfone para ver quem são os moradores. Um nome soa familiar: M Lutfalla. Penso em apertar o botão e perguntar se monsieur Paulô Maluf está, mas já havia recebido notícias do Brasil e sabido que àquela altura o ex-prefeito estava na cadeia. Uma alegria cívica me acompanha na volta para casa.


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