quarta-feira, 9 de abril de 2014

Gavião Mouro


Diálogo em versos entre o Gavião mouro e o Zorrilho, em que ressurge o velho tema da fábula clássica, a luta entre a Força e a Astúcia. Foi recolhido em Santana do Livramento pelo Sr. Vitorino Soares Pinto e incluído no Cancioneiro Gaúcho, de Augusto Meyer.

A seguir o comentário e o texto poético: Havia uma seca bárbara. As várzeas tiniam e a bicharada andava louca de fome. O Gavião Mouro rondava o Zorrilho, mas este só saía à noite, hora em que o Gavião ia dormir por não poder enxergar. Um dia, porém, o Zorrilho madrugou na saída, ainda a lusco-fusco, e o Gavião interpelou-o, do alto de um galho seco de corticeira:

Gavião:
Aonde vai, senhor Zorrilho,
Em tamanha galopada?
Vai buscar água-de-cheiro
Para a sua namorada?

Zorrilho:
Seu moço das calças brancas,
Desculpe minha confiança,
Me diga todo o seu nome
Que eu quero ter na lembrança.

Gavião:
Eu me chamo Gavião Mouro,
Morador do Cerro Travessa;
Te como a carne por dentro,
Te viro o couro às avessas.

Zorrilho:
Há muito cuera largado
Que é pura charla nomás;
Comer mi´a carne por dentro,
Isto sim, não és capaz!

Gavião:
Te quebro a cana do braço,
Te chupo todo o tutano,
Te deixo a cabeça oca,
Te tiro do desengano.

Zorrilho:
Eu me chamo Zorrilho Negro
Da serra do Caverá;
Te arreio cochilha arriba
Com relho de enchiqueirar!

Gavião:
Eu fui nascido e criado
Bem longe deste rincão;
Te maneio das quatro patas,
Te risco o couro a facão!

Zorrilho:
Se é pra entrevero,
Não vou na lei do gaúcho;
Não quero tinir dos ferros,
Vou logo queimar cartucho!

Mestre gavião, com o bico como faca, atirou um golpe no focinho do Zorrilho. Este se quadrou e guspiu ele no zóio. O Gavião, vencido, voltou ao galho seco de cortiça e Dom Zorrilho voltou ao seu rancho, a galopito nomás. É a velha história do folclore de todos os povos: a astúcia e a inteligência vencendo a força bruta. Em todo o folclore destes pagos, o sorro, o zorrilho e o lagarto levam uma vantagem bárbara sobre o tigre, o corvo e o gavião.

O gavião mouro tem asas cinzentas e as penas das pernas são completamente brancas. No Rio Grande do Sul, dá-se o nome de “Zorrilho” ao pequeno carnívoro da família Mustelídeos, do mesmo gênero a que pertence o gambá. Forma, portanto, um perfeito contraste com o adversário, inclusive nos meios de combate. “Queimar cartucho”, para ele, é expelir o esguicho fétido com que se defende.

(Do livro “Guia do Folclore Gaúcho”. De Augusto Meyer)

 


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