domingo, 20 de abril de 2014

Histórias engraçadas da MPB



Noel Rosa por William

Seresteiro Obtuso

Noel Rosa gostava das madrugadas e, quando não tinha carro, escalava motoristas de táxi para acompanhá-lo no périplo noturno.
Um desses motoristas tinha o apelido de Malhado, em função do vitiligo. Possuía voz possante, que gostava de exibir em serenatas, e vivia pedindo a Noel uma música em que pudesse exibir seus dotes vocais.
Noel percebeu um detalhe interessante. Malhado cantava valsas e canções com palavras difíceis de que ele não conhecia o significado. Diante disso, resolveu compor uma canção para o amigo motorista.
Depois de pronta a composição, Noel ensinou a melodia para Malhado, e combinou de fazerem a estreia da obra numa serenata para as filhas de um coronel lá de Vila Isabel.
Ao chegar diante do sobrado do coronel, Noel disse que ficaria do outro lado, para dar o destaque que a voz de Malhado merecia. Feriu o tom e o cantor atacou:

“Saí da tua alcova
Com prepúcio dolorido,
Deixando teu clitóris gotejante
De volúpia emurchecido,
Porém o gonococo da paixão
Aumentou minha tesão.”

O coronel levantou atirando. Malhado correu para a esquina onde Noel já o esperava. Lívido, parou diante do Poeta da Vila, que o consolou:
- Isso é pra você ver, Malhado, o que é a falta de sensibilidade dessa gente.

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Quizila mal resolvida

A coisa mais fácil de acontecer entre pessoas de porre é um desentendimento. Qualquer motivo pode ser a causa da diáspora, e as conseqüências só serão conhecidas no dia seguinte.
 Foi assim com uma discussão entre a cantora Miúcha e o agitador cultural Albino Pinheiro. Os dois discutiram e chegaram a se estranhar, por causa de um assunto que no dia seguinte ninguém lembrava.
Ao acordar, cheia de arrependimento e culpa, Miúcha resolveu ligar para Albino e colocar tudo em pratos limpos. Aconteceu que Albino tinha ido à casa do grande Sivuca*, para combinar o roteiro de um show da série Seis e Meia, e deixara o telefone de onde estaria para quaisquer eventualidades.
Sem saber para onde estava ligando, Miúcha telefonou para a casa do Sivuca, sendo atendida pela esposa do instrumentista, a cantora e compositora Glorinha Gadelha. Miúcha foi logo perguntando:
- O Albino está?
Do outro lado da linha, Glorinha, ciosa de sua função de fiel escudeira do marido, não se conteve diante de tamanha falta de respeito.
- Olha aqui, albino é puta que lhe pariu!
Miúcha custou a “cair a ficha”.

*Sivuca é albino

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Reclamando por reclamar

No começo de 1981, foi programado um show na série Seis e Meia do Teatro João Caetano, reunindo Radamés Gnattali, a Camerata Carioca e a grande cantora Zezé Gonzaga, chamada na Rádio Nacional de “a cantora dos maestros”.
Num dos dias da temporada, tendo chegado cedo como sempre, Radamés foi ao camarim da cantora e ficou impressionado. Flores, cartões, tudo arrumadinho e perfumado.
Radamés sentou-se e foi logo reclamando:
- Este camarim é muito melhor do que o meu, com aquele monte de homem.
Zezé continuou se maquiando sem responder. Radamés voltou à carga:
- Fizeram a reforma deste teatro, mas o piano continua a mesma merda...
E a Zezé continuava sem responder. Não tendo mais nada sobre o que reclamar, Radamés apelou:
- E você, Zezé, vai ser afinada assim na puta que a pariu!

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Esporro eficiente

Se existe algo que irrita a todos os artistas é gente falando enquanto se toca ou se canta. Pode-se dizer que o problema atinge a todos os estilos e só o pessoal do pop não sofre tanto, porque o som é tão alto que não se escuta a plateia.
Numa boate ou casa noturna, em geral o problema se agrava com a presença de bêbados (chamá-los de inconvenientes seria pleonasmo).
A mais saborosa história sobre o assunto ocorreu com Aracy de Almeida, quando fazia um show em são Paulo no ano de 1960. Ao se preparar para entrar no palco, Aracy percebeu que duas “peruas” falavam sem parar na primeira mesa. Ainda com esperanças de elas pararem ao começar o show, mandou o conjunto atacar. Com a concorrência de outro som, as duas passaram a falar ainda mais alto. Aracy entrou no palco já contrariada quando, de repente, ouviu uma “perua” dizer para a outra:
- Nossa! Como a Aracy tá velha!
A cantora mandou o conjunto parar, pediu que acendessem as luzes e foi dizendo sem dó nem piedade:
- Eu tô velha, mas sou a Aracy de Almeida. E você quem é, sua filha da puta!
Aracy saiu do palco sob aplausos e gargalhadas. Voltou meia hora depois e cantou para o público mais silencioso de toda a sua carreira.

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Jovelina Pérola Negra

O ano de 1986 revelou a figura da partideira Jovelina Pérola Negra.
Acostumada a fazer show em quadras de clubes e escolas de samba, onde o pagamento é feito em espécie antes da apresentação, Jovelina estranhou que ninguém falasse em dinheiro antes de seu primeiro show em teatro. Tratava-se de uma espécie de temporada de revezamento dos pagodeiros emergentes, em um teatro de Bonsucesso, subúrbio do Rio.
Depois de cantar, chamou o produtor da série a seu camarim e perguntou pelo “faz-me rir”. O rapaz, não entendendo direito o que ocorria, avisou que as contas seriam fechadas ao final da temporada. Diante da cara de contrariedade de Jovelina, resolveu oferecer alguma coisa:
- Se a senhora precisar, nós lhe adiantamos algum e botamos no seu borderô.
Jovelina se contrariou mais ainda, e olhando fixamente para o produtor, com o dedo em riste, advertiu:
- Olha aqui, ô rapaz, no meu borderô nem meu marido bota.


 (Do livro “Suíte Gargalhadas”, Cento e tantas histórias engraçadas
 sobre música e músicos de Henrique Cazes – José Olympio Editora)


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