Noel Rosa por William
Seresteiro Obtuso
Noel Rosa gostava das madrugadas
e, quando não tinha carro, escalava motoristas de táxi para acompanhá-lo no
périplo noturno.
Um desses motoristas tinha o
apelido de Malhado, em função do vitiligo. Possuía voz possante, que gostava de
exibir em serenatas, e vivia pedindo a Noel uma música em que pudesse exibir
seus dotes vocais.
Noel percebeu um detalhe
interessante. Malhado cantava valsas e canções com palavras difíceis de que ele
não conhecia o significado. Diante disso, resolveu compor uma canção para o
amigo motorista.
Depois de pronta a composição,
Noel ensinou a melodia para Malhado, e combinou de fazerem a estreia da obra
numa serenata para as filhas de um coronel lá de Vila Isabel.
Ao chegar diante do sobrado do
coronel, Noel disse que ficaria do outro lado, para dar o destaque que a voz de
Malhado merecia. Feriu o tom e o cantor atacou:
“Saí da tua alcova
Com prepúcio dolorido,
Deixando teu clitóris gotejante
De volúpia emurchecido,
Porém o gonococo da paixão
Aumentou minha tesão.”
O coronel levantou atirando.
Malhado correu para a esquina onde Noel já o esperava. Lívido, parou diante do
Poeta da Vila, que o consolou:
- Isso é pra você ver,
Malhado, o que é a falta de sensibilidade dessa gente.
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Quizila mal resolvida
A coisa mais fácil de acontecer
entre pessoas de porre é um desentendimento. Qualquer motivo pode ser a causa
da diáspora, e as conseqüências só serão conhecidas no dia seguinte.
Foi assim com uma discussão
entre a cantora Miúcha e o agitador cultural Albino Pinheiro. Os dois
discutiram e chegaram a se estranhar, por causa de um assunto que no dia
seguinte ninguém lembrava.
Ao acordar, cheia de
arrependimento e culpa, Miúcha resolveu ligar para Albino e colocar tudo em
pratos limpos. Aconteceu que Albino tinha ido à casa do grande Sivuca*, para
combinar o roteiro de um show da série Seis e Meia, e deixara o telefone de
onde estaria para quaisquer eventualidades.
Sem saber para onde estava
ligando, Miúcha telefonou para a casa do Sivuca, sendo atendida pela esposa do
instrumentista, a cantora e compositora Glorinha Gadelha. Miúcha foi logo
perguntando:
- O
Albino está?
Do outro lado da linha,
Glorinha, ciosa de sua função de fiel escudeira do marido, não se conteve
diante de tamanha falta de respeito.
- Olha
aqui, albino é puta que lhe pariu!
Miúcha
custou a “cair a ficha”.
*Sivuca é albino
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Reclamando por reclamar
No começo de 1981, foi
programado um show na série Seis e Meia do Teatro João Caetano, reunindo
Radamés Gnattali, a Camerata Carioca e a grande cantora Zezé Gonzaga, chamada
na Rádio Nacional de “a cantora dos maestros”.
Num dos dias da temporada, tendo
chegado cedo como sempre, Radamés foi ao camarim da cantora e ficou
impressionado. Flores, cartões, tudo arrumadinho e perfumado.
Radamés
sentou-se e foi logo reclamando:
- Este
camarim é muito melhor do que o meu, com aquele monte de homem.
Zezé
continuou se maquiando sem responder. Radamés voltou à carga:
- Fizeram
a reforma deste teatro, mas o piano continua a mesma merda...
E a Zezé continuava sem
responder. Não tendo mais nada sobre o que reclamar, Radamés apelou:
- E
você, Zezé, vai ser afinada assim na puta que a pariu!
**********
Esporro eficiente
Se existe algo que irrita a
todos os artistas é gente falando enquanto se toca ou se canta. Pode-se dizer
que o problema atinge a todos os estilos e só o pessoal do pop não sofre tanto,
porque o som é tão alto que não se escuta a plateia.
Numa boate ou casa noturna, em
geral o problema se agrava com
a presença de bêbados (chamá-los de inconvenientes seria
pleonasmo).
A mais saborosa história sobre o
assunto ocorreu com Aracy de Almeida, quando fazia um show em são Paulo no ano de
1960. Ao se preparar para entrar no palco, Aracy percebeu que duas “peruas”
falavam sem parar na primeira mesa. Ainda com esperanças de elas pararem ao
começar o show, mandou o conjunto atacar. Com a concorrência de
outro som, as duas passaram a falar ainda mais alto. Aracy entrou no palco já
contrariada quando, de repente, ouviu uma “perua” dizer para a outra:
- Nossa! Como a Aracy tá
velha!
A cantora mandou o conjunto
parar, pediu que acendessem as luzes e foi dizendo sem dó nem piedade:
- Eu
tô velha, mas sou a Aracy de Almeida. E você quem é, sua filha da puta!
Aracy saiu do palco sob aplausos
e gargalhadas. Voltou meia hora depois e cantou para o público mais silencioso
de toda a sua carreira.
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Jovelina Pérola Negra
O ano
de 1986 revelou a figura da partideira Jovelina Pérola Negra.
Acostumada a fazer show em
quadras de clubes e escolas de samba, onde o pagamento é feito em espécie antes
da apresentação, Jovelina estranhou que ninguém falasse em dinheiro antes de
seu primeiro show em
teatro. Tratava-se de uma espécie de temporada de revezamento
dos pagodeiros emergentes, em um teatro de Bonsucesso, subúrbio do Rio.
Depois de cantar, chamou o
produtor da série a seu camarim e perguntou pelo “faz-me rir”. O rapaz, não
entendendo direito o que ocorria, avisou que as contas seriam fechadas ao final
da temporada. Diante da cara de contrariedade de Jovelina, resolveu oferecer
alguma coisa:
- Se a
senhora precisar, nós lhe adiantamos algum e botamos no seu borderô.
Jovelina se contrariou mais
ainda, e olhando fixamente para o produtor, com o dedo em riste, advertiu:
- Olha aqui, ô rapaz, no meu borderô nem meu marido bota.
sobre música e músicos de Henrique Cazes – José Olympio Editora)
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