quinta-feira, 17 de abril de 2014

Histórias jurídicas I

          

Em 1952, instaurou-se em Caxias do Sul processo-crime contra José Maria de Oliveira, acusado do furto e morte de um porco reprodutor chamado Cachaço, raça Macau, identificável por um brinco na orelha e pertencente a Nestor Soares. O advogado Remo Marcucci apresentou defesa em versos alegando ter sido outro o suíno abatido pelo réu. O juiz Sylvio Fonseca Pires, posteriormente desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, proferiu a seguinte sentença absolutória:

“Vivia feliz e faceiro,
Estimado por seus pares,
O dom-juan de chiqueiro,
O macau do seu Soares.

Muita galante e manhoso,
Toda dama conquistava,
Embora o ar duvidoso
Quase o brinco lhe emprestava.

Mas um dia o cachaço
À pocilga disse adeus
E se foi pra outro paço
Saudade deixando aos seus.

`Ele é meu` - exclamou Nestor -,
`Do chiqueiro foi tirado`
`Está mentindo, é impostor`,
Grita o réu, incomodado.

Porém, em meio da dor,
Vendo o porco já castrado,
Diz a porca, sem pudor:
`Não o quero, está estragado!`

Sem provas é impossível
Aplicar penalidade.
Vejam as partes, no cível,
De quem a paternidade.”

Num caso de desapropriação de área destinada a camping, houve apelação ao Tribunal de Justiça, argumentando-se que o emprego de palavra em língua estrangeira deveria se considerado causa de nulidade do ato expropriatório. Trecho do voto do relator, Desembargador Paulo Boeckel Velloso, considerando improcedente tal alegação, pois dita palavra era largamente difundida no país, não existindo vocábulo português adequado e correspondente:

Na struggle for life o homem da cidade
perde seu humour, despoja-se de sua
condição de gentleman, nesse rush do
shoping, do mundo do business, onde
se cuida de marketing e de complicadas
operações de drawback, de situações de
boom, de dumping, de free market, de
arranjos de holding e concerns, vivendo
a preocupação do free of taxes, ou do
verdadeiro preço ou lucro after taxes,
sem Know how, seja de um executive,
de um white collar e até mesmo de um
blue collar, pois todos sofreriam,
sem isso, um sério handicap. Se não
tiver um hobby que o retenha em seu
sweet home, onde frui chance de um
drink on the rocks ou sound, no relax
de seu living revestido de posters,
preferirá o contato coma natureza
como o melhor knock put ao stress.
Apanha seu automóvel, ou station
Wagon, jeep, ou pick up, bem dotado
em horse-powers, bem como o
indispensável trailer, toma a free-way
rumo a um distante motel, ou mesmo
ao camping, em local previamente
trabalhado por possantes bull-dozers,
dotado de facilities, onde eventualmente
se difunde a música pop, em tom hi-fi,
ou ainda pratica o surf se o mar estiver
próximo, ou o skating em pista próprias,
ou ainda o skiing, buscando sempre a
melhor performance. Alguns desses
locais possuem serviços drive-in, para
comodidade do motorista, bem como
cafeterias, servem lunches, hot dog,
hamburgers, cheeseburgers, tudo com
muito catch up, ou jam, ou jelley.
Se encontra amigos, fazem um party,
improvisam um pic nic, tudo informal,
onde shorts, pull overs, blazers são as
vestes usuais. Assam um churrasco tão
sofisticado que passa a ser um barbecue,
enquanto o transistor irradia o meeting
importante do dia no sport: o football, onde
rivalizam as habilidades do goal keeper,
dos backs (right, left), do center half,
center forward, right half, left half, vibrando
com os penalties ou fouls cobrados contra
o team adverso ao de sua torcida, tudo
muito bem explorado pelo speaker. E com
isso, poupa-me a leitura do correspondente
noticiário da imprensa, no dia imediato, na
primeira edição off set, cujo lay out mereceu
cuidadoso trabalho de véspera. E vem a volta.
Se o starter do carro não funciona,
improvisa-se a operação push together. E de
pronto se consuma o retorno, à cidade
oferecendo-lhe pó welcomeLast, but not
the last: a penetração de estrangeirismos em
uma língua é um fato social inevitável e
perfeitamente aceitável quando provém de
uma língua mais rica, mais flexível e pela qual
se veicula uma técnica mais avançada, mas que
também sofre influências de línguas de menor
importância.

           (Do livro Anedotário da Rua da Praia 2,
                            de Renato Maciel de Sá Júnior)





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