Rubem
Braga não era de falar muito. Em geral, pontuava as conversas alheias com
observações precisas e irônicas, feitas com a cara mais séria do mundo. Mas,
vez por outra, punha-se a falar. Era
raro, mas punha-se a falar sequencialmente, sobretudo quando tinha uma história
a contar.
Estávamos num bar com Moacyr Werneck
de Castro, Doc Comparato e Ziraldo, quando o velho Braga começou a narrar essa
insólita história de amor. Vivia ele lá em Cachoeiro do Itapemirim. E entre as
professoras que teve na escola primária, uma, sobretudo, ficou para sempre em
sua memória. Vamos chamá-la de Violeta Tímida. Não que esse não fosse o seu
nome. Era mais que isto, era o seu pseudônimo. E nós sabemos que o pseudônimo
escolhido pode revelar muito mais que o nome imposto a uma pessoa. O pseudônimo
expressa a alma. Pois dona Violeta, a Tímida, porque era tímida e tinha a
delicadeza da violeta, cansada de esperar pelo príncipe que viesse num corcel
branco para arrebatá-la em seus braços, resolveu tomar uma atitude prática. O
que era atitude prática naquele tempo em que a moça tinha que pescar namorado e
marido passivamente na janela de sua casa ou na saída da missa?
A atitude mais ousada era arranjar um
correspondente. Uma pessoa de longe, descoberta numa dessas seções tipo
"Corações solitários", que as revistas publicavam. Era tudo muito
romântico, mas também funcionava. Funcionava talvez mais do que as seções das
revistas e jornais que hoje articulam encontros de amantes, revelando logo as
medidas físicas de cada um e as pirotecnias que sabem fazer na cama. Naquele
tempo o amor era espiritual e começava de longe. Trabalhava-se primeiro a aproximação das
almas e, depois, dos corpos.
Violeta Tímida julgou que seria melhor
apresentar um retrato à altura de sua alma. Pediu ao fotógrafo para retocar
aqui e ali sua foto. Não podia decepcionar o candidato. Como naquele tempo
casamento era um ritual bem mais complexo e como morassem os noivos um longe do
outro, os padrinhos começaram a servir de intermediários. Eram eles um deputado
de Cachoeiro do Itapemirim, terra da noiva, e outro deputado de Blumenau, terra
do noivo. O namoro, então, prosseguia não apenas através das cartas, mas através
dos dois parlamentares.
Mas o amor era tanto, que o noivo do
Sul, antes de casar, foi conhecer a noiva em pessoa. Aí, o choque, a grande
decepção. Descobriu que o original não combinava muito com a foto que recebera
e resolveu cancelar tudo. Imagine-se o trauma para a tímida alma de Violeta.
Mas o deputado padrinho da noiva não se conformou. Foi atrás do noivo e
lhe disse:
- Que história é essa que o senhor não quer mais se
casar com dona Violeta? Ela não pode ficar lá em Cachoeiro desonrada desse
jeito. Ou casa ou leva bala.
O rapaz do Sul apressou-se logo a
dizer que tinha havido um mal-entendido, que, ao contrário, estava até desejoso
de se casar. Mas o deputado, acostumado às mumunhas dos acordos políticos, foi
logo adiantando:
- Falar não basta.
Quero ver isso dito lá na igreja.
E tem o seguinte, se no altar quiser voltar atrás, também leva bala.
O resultado foi que se casaram. Casaram-se na terra do noivo.
Mas depois de casados, o deputado ainda disse:
- Agora temos que ir para o Espírito Santo, porque a
moça não pode chegar lá assim, tem que haver festa e tudo mais.
Resultado: trinta
anos depois, Rubem
Braga encontrou a sua
ex-professora numa cidade do Sul. Era
uma bela e
sólida senhora, felicíssima. Até mais bonita. O casamento tinha dado
certo. Casaram-se e foram felizes para sempre.
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