O português dos gringos
O inglês tem presença garantida
em nossa língua. Mas é preciso tomar cuidado com certas conclusões apressadas.
Já se disse que arigó veio da pergunta where are you going to?
(para onde você está indo?), que engenheiros ingleses e norte-americanos teriam
feito com freqüência a andarilhos brasileiros. Os gringos queriam saber se eram
trabalhadores buscando emprego na construção das ferrovias. Ainda não foi possível comprovar tão
inventiva hipótese.
Também a palavra gringo tem
tido insólita explicação. É provável que tenha vindo do espanhol gringo,
provavelmente radicado em griego - o eclesiástico que falava grego ou
latim à vista de todos e não era entendido pelos outros - que, nasalado, virou griengo
e depois gringo, indicando estrangeiros, sobretudo europeus e
norte-americanos, que viajaram ou emigraram para a América do Sul. Mas é
corrente outra explicação. Capatazes, atuando na construção de nossas
ferrovias, mandavam, em inglês, que o trabalhador, ao sinal verde, avançasse
com o trole: green, go! (verde, vai!). Robert Hendrickson, autor de Word
and phrase origins, tem mais uma hipótese. Além do green coat,
uniforme verde dos soldados americanos na guerra contra o México, um dos versos
da canção do poeta escocês Robert Burns, que entoavam, fala em ''green grow''.
Uma outra hipótese é que derive
do inglês greenhorn, gado mocho, isto é, sem chifres. Ou dotado de
pequenas protuberâncias no lugar deles. Esses bois não eram adequados aos
trabalhos da lavoura, não se podia sequer ajoujá-los, ligá-los um ao outro para
puxar carros e arados.
O vocábulo passou depois a
designar, ainda no século 16, os recrutas do exército britânico que ainda não
sabiam manejar as armas. Posteriormente foi aplicado aos imigrantes que iam
para os Estados Unidos e não sabiam fazer nada, sequer trabalhar a terra,
semelhando aqueles bois e recrutas. O Brasil, assim como diversas outras nações
que acolheram imigrantes, deve muito aos gringos. E eles a nós.
Uma outra palavra, envolta em
curiosidade, é bonde, que procede do inglês bond, variação de
band, fita, laço, tendo também o significado de algema. Ganhou o sentido de
vínculo no seguinte percurso na língua inglesa: originalmente designou ação de
levar amarrado o devedor, por algemas nos pulsos ou grilhões nas pernas, à
presença do credor para acertar seus débitos. A variante band aparece na
palavra husband, marido, esposo, em que hus deriva de house,
casa. Marido é, antes de mais nada, no inglês, aquele que cuida da economia da
casa, está a ela ligado por band, laço, obrigação, vínculo ou, para os
pessimistas, algema, de que o anel é metáfora. Nesse caminho, bond
passou a significar obrigação, título, garantia.
Mas no Brasil, a partir de 1868, veio a
designar o veículo, ainda puxado por tração animal, da Botanical Garden Rail
Road Company, empresa norte-americana. Para facilitar o troco, o passageiro
recebia um título em forma de bilhete - bond - em que estava estampada a
figura do veículo, que passou a ser designado por nome inglês, depois
aportuguesado para bonde.
A denominação mesclou-se a outro
tipo de bond, título negociável, referente a empréstimo nacional de
juros pagáveis em ouro, realizado em agosto de 1868 pelo Visconde de Itaboraí,
ministro da Fazenda do Império do Brasil. Visconde de Itaboraí era o título
nobiliárquico de Joaquim José Rodrigues Torres, político, financista, um dos
fundadores do Banco do Brasil. Teve grande repercussão a entrega desses bonds -
como eram denominadas as cautelas das apólices do empréstimo -, que ocorreu na
mesma época em que os bondes entraram em funcionamento.
Os bondes puxados por cavalos ou
burros duraram até 1892, quando foram substituídos por bondes elétricos, já em
operação nos EUA desde 1884. A primeira viagem deu-se no dia 8 de outubro, na
então sinuosa linha da Praia do Flamengo. Segundo nos informa C. J. Dunlop em
Rio Antigo, I, p. 124, a cidade parou para assistir à inauguração do
primeiro bonde elétrico da América do Sul, lotado das mais altas autoridades,
inclusive o presidente da República, além de representantes da imprensa e da
fina flor da sociedade carioca: ''partiu este bonde, sob os aplausos do povo,
pouco depois das 13 horas, da curva do antigo Teatro Lírico, subiu a rampa da
rua Senador Dantas, deslizou suavemente pela Rua do Passeio, Cais da Lapa,
Praias do Russel e do Flamengo e, 12 minutos depois, entrava na usina
termoelétrica da Rua Dois de Dezembro''.
A primeira linha de bondes puxados a burros
em São Paulo surgiu em 1872, ligando a Rua do Carmo à Estação da Luz. Os bondes
elétricos foram introduzidos apenas em 1900 e iam do largo São Bento à Barra
Funda, onde morou Antônio da Silva Prado, prefeito de São Paulo por longos
treze anos. Mais tarde faziam ponto final na praça que recebeu o nome do
alcaide, que remodelou inteiramente a cidade. Em 1956 havia 499 bondes operando
em São Paulo, número que foi diminuindo até que, em 1968, foi extinta a última linha
regular, que ligava Santo Amaro à Vila Mariana.
Como se vê, os gringos trouxeram
mais do que novas tecnologias para os brasileiros. Deram-nos também novas
palavras.
Deonísio Silva, Jornal do Brasil.
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