sexta-feira, 4 de abril de 2014

Língua Viva


O português dos gringos

O inglês tem presença garantida em nossa língua. Mas é preciso tomar cuidado com certas conclusões apressadas. Já se disse que arigó veio da pergunta where are you going to? (para onde você está indo?), que engenheiros ingleses e norte-americanos teriam feito com freqüência a andarilhos brasileiros. Os gringos queriam saber se eram trabalhadores buscando emprego na construção das ferrovias.  Ainda não foi possível comprovar tão inventiva hipótese.

Também a palavra gringo tem tido insólita explicação. É provável que tenha vindo do espanhol gringo, provavelmente radicado em griego - o eclesiástico que falava grego ou latim à vista de todos e não era entendido pelos outros - que, nasalado, virou griengo e depois gringo, indicando estrangeiros, sobretudo europeus e norte-americanos, que viajaram ou emigraram para a América do Sul. Mas é corrente outra explicação. Capatazes, atuando na construção de nossas ferrovias, mandavam, em inglês, que o trabalhador, ao sinal verde, avançasse com o trole: green, go! (verde, vai!). Robert Hendrickson, autor de Word and phrase origins, tem mais uma hipótese. Além do green coat, uniforme verde dos soldados americanos na guerra contra o México, um dos versos da canção do poeta escocês Robert Burns, que entoavam, fala em ''green grow''.

Uma outra hipótese é que derive do inglês greenhorn, gado mocho, isto é, sem chifres. Ou dotado de pequenas protuberâncias no lugar deles. Esses bois não eram adequados aos trabalhos da lavoura, não se podia sequer ajoujá-los, ligá-los um ao outro para puxar carros e arados.

O vocábulo passou depois a designar, ainda no século 16, os recrutas do exército britânico que ainda não sabiam manejar as armas. Posteriormente foi aplicado aos imigrantes que iam para os Estados Unidos e não sabiam fazer nada, sequer trabalhar a terra, semelhando aqueles bois e recrutas. O Brasil, assim como diversas outras nações que acolheram imigrantes, deve muito aos gringos. E eles a nós.

Uma outra palavra, envolta em curiosidade, é bonde, que procede do inglês bond, variação de band, fita, laço, tendo também o significado de algema. Ganhou o sentido de vínculo no seguinte percurso na língua inglesa: originalmente designou ação de levar amarrado o devedor, por algemas nos pulsos ou grilhões nas pernas, à presença do credor para acertar seus débitos. A variante band aparece na palavra husband, marido, esposo, em que hus deriva de house, casa. Marido é, antes de mais nada, no inglês, aquele que cuida da economia da casa, está a ela ligado por band, laço, obrigação, vínculo ou, para os pessimistas, algema, de que o anel é metáfora. Nesse caminho, bond passou a significar obrigação, título, garantia.

Mas no Brasil, a partir de 1868, veio a designar o veículo, ainda puxado por tração animal, da Botanical Garden Rail Road Company, empresa norte-americana. Para facilitar o troco, o passageiro recebia um título em forma de bilhete - bond - em que estava estampada a figura do veículo, que passou a ser designado por nome inglês, depois aportuguesado para bonde.

A denominação mesclou-se a outro tipo de bond, título negociável, referente a empréstimo nacional de juros pagáveis em ouro, realizado em agosto de 1868 pelo Visconde de Itaboraí, ministro da Fazenda do Império do Brasil. Visconde de Itaboraí era o título nobiliárquico de Joaquim José Rodrigues Torres, político, financista, um dos fundadores do Banco do Brasil. Teve grande repercussão a entrega desses bonds - como eram denominadas as cautelas das apólices do empréstimo -, que ocorreu na mesma época em que os bondes entraram em funcionamento.

Os bondes puxados por cavalos ou burros duraram até 1892, quando foram substituídos por bondes elétricos, já em operação nos EUA desde 1884. A primeira viagem deu-se no dia 8 de outubro, na então sinuosa linha da Praia do Flamengo. Segundo nos informa C. J. Dunlop em Rio Antigo, I, p. 124, a cidade parou para assistir à inauguração do primeiro bonde elétrico da América do Sul, lotado das mais altas autoridades, inclusive o presidente da República, além de representantes da imprensa e da fina flor da sociedade carioca: ''partiu este bonde, sob os aplausos do povo, pouco depois das 13 horas, da curva do antigo Teatro Lírico, subiu a rampa da rua Senador Dantas, deslizou suavemente pela Rua do Passeio, Cais da Lapa, Praias do Russel e do Flamengo e, 12 minutos depois, entrava na usina termoelétrica da Rua Dois de Dezembro''.

A primeira linha de bondes puxados a burros em São Paulo surgiu em 1872, ligando a Rua do Carmo à Estação da Luz. Os bondes elétricos foram introduzidos apenas em 1900 e iam do largo São Bento à Barra Funda, onde morou Antônio da Silva Prado, prefeito de São Paulo por longos treze anos. Mais tarde faziam ponto final na praça que recebeu o nome do alcaide, que remodelou inteiramente a cidade. Em 1956 havia 499 bondes operando em São Paulo, número que foi diminuindo até que, em 1968, foi extinta a última linha regular, que ligava Santo Amaro à Vila Mariana.

Como se vê, os gringos trouxeram mais do que novas tecnologias para os brasileiros. Deram-nos também novas palavras.


Arcos da Lapa - 1925

Deonísio Silva, Jornal do Brasil.



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