(16.09.1914 - 27.08.1974)
Caricatura de Lupicínio Rodrigues por J.Bosco
Lupicínio Rodrigues, estendeu a
dor-de-cotovelo às coisas nativistas. A porção terrinha está por inteira no
xote Felicidade, composto aos dezessete anos, quando ainda estava em Santa Maria , gravada
em 1947 pelo quarteto Quitandinha Serenaders, onde João Gilberto debutou. Mas o
sucesso só veio bater à porta em 1974, na voz de Caetano Veloso. Mário Goulart
escreveu: "O Quitandinha, e depois Caetano, só gravaram parte dela. A
primeira gravação, do conjunto - formado pelos gaúchos Luís Telles, Alberto e
Paulo Ruschel e pelo mineiro Francisco Pacheco, tido como um dos melhores de
todos os tempos -, representou muito pro movimento regionalista que na época se
iniciava no Rio Grande. A música apareceu num filme da Atlântida, cantada pelo
grupo dentro de um trem, que seguia do Sul para o Rio de Janeiro. Em Porto Alegre , alguns
rapazes, entre eles o escritor Barbosa Lessa, curtiram isso intensamente.
Aquilo mexeu com seus corações e incendiou em suas mentes uma idéia já em
execução: implantar no Rio Grande uma revolução tradicionalista." E
realmente, com nervos de aço, o 35 ainda está aí, parindo CTG por todo Brasil e
no exterior. Apenas a Maria Luiza Benites gravou toda a letra conforme segue:
Felicidade
foi-se embora
e
a saudade no meu peito ainda mora
e
é por isso que eu gosto lá de fora
porque
sei que a falsidade não vigora.
Lá
onde eu moro tem muita mulher bonita
que
usa vestido sem cinta e tem na boca um coração
cá
na cidade se vê tanta falsidade
que
a mulher faz tatuagem até mesmo na afeição.
A
minha casa fica lá detrás do mundo
mas
eu vou em um segundo quando começo a cantar
o
pensamento parece uma coisa à-toa
mas
como é que agente voa quando começa a pensar.
Na
minha casa tem um cavalo tordilho
que
é irmão do que é filho daquele que o Juca tem
quando
eu agarro seus arreios e lhe encilho
sou
piro que limpa trilho
corro
na frente do trem.
Mas Lupi não encerrou a carreira
nativista por aí. Embora gravado já nos anos 50, pelo Conjunto Vocal
Farroupilha, foi nos anos 70, na recriação dos Almôndegas, de que faziam parte
os irmãos Kleiton e Kledir, que Amargo alcançou notoriedade:
Amigo,
boleia a perna
puxa
o banco e vá sentando,
encosta
a palha na orelha
e
o cigarro vá ajeitando.
Enquanto
a chaleira chia
o
amargo vou cevando.
Foi
bom você ter chegado,
eu
tinha que lhe falar
um
gaúcho apaixonado
precisa
desabafar.
Chinoca
saiu de casa
com
meu amigo João
bem
diz que mulher tem asas
na
ponta do coração.
Também da metade dos anos 50 é Jardim
da Saudade, uma espécie de radiografia amorosa do Rio Grande, composta com
seu parceiro Alcides Gonçalves, e gravada por Luiz Gonzaga:
Ver
carreteiro na estrada passar
e
o gaiteiro sua gaita tocar
ver
campos verdes cobertos de azul
isto
só vindo ao Rio Grande do Sul.
Ver
gauchinha o seu pingo montar
e
amar com sinceridade
ao
Rio Grande do Sul
é
pra mim o jardim da saudade.
Oh
que bom seria
se
Deus um dia de mim se lembrasse
e
lá para o céu
o
meu Rio Grande comigo levasse.
Mostraria
este meu paraíso
par
aos anjos verem a verdade
que
o Rio Grande do Sul
sempre
foi o jardim da saudade.
Lupe, como era chamado desde pequeno,
tinha três grandes paixões em sua vida: a música, o bar e as mulheres. A música
poderia ter convivido com tranqüilidade com as outras duas, mas as mulheres em
sua vida jamais entenderam ou conviveram com sua paixão pela boemia.
Constantemente abandonado, Lupicínio
buscava em sua própria vida a inspiração para suas canções, onde a traição e o
amor andavam abraçados, afogando as mágoas na mesa de um bar - onde,
finalmente, conseguia unir suas paixões: amor, música e boemia. Com versos
profundos, conseguia tocar todos os corações que paravam para ouvi-lo, dando, a
cada um, a sua própria história.
Ninguém soube, como ele, cantar a dor
e a desilusão de forma tão genial, sem cair em clichês e lugares comuns. Todas
as pessoas que um dia choraram um amor, ergueram sem dúvida um brinde a
Lupicínio. Faleceu em
Porto Alegre , RS, em 27 de agosto de 1974.
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