sábado, 12 de abril de 2014

Lupicínio Rodrigues


(16.09.1914 - 27.08.1974)

Caricatura de Lupicínio Rodrigues por J.Bosco


Lupicínio Rodrigues, estendeu a dor-de-cotovelo às coisas nativistas. A porção terrinha está por inteira no xote Felicidade, composto aos dezessete anos, quando ainda estava em Santa Maria, gravada em 1947 pelo quarteto Quitandinha Serenaders, onde João Gilberto debutou. Mas o sucesso só veio bater à porta em 1974, na voz de Caetano Veloso. Mário Goulart escreveu: "O Quitandinha, e depois Caetano, só gravaram parte dela. A primeira gravação, do conjunto - formado pelos gaúchos Luís Telles, Alberto e Paulo Ruschel e pelo mineiro Francisco Pacheco, tido como um dos melhores de todos os tempos -, representou muito pro movimento regionalista que na época se iniciava no Rio Grande. A música apareceu num filme da Atlântida, cantada pelo grupo dentro de um trem, que seguia do Sul para o Rio de Janeiro. Em Porto Alegre, alguns rapazes, entre eles o escritor Barbosa Lessa, curtiram isso intensamente. Aquilo mexeu com seus corações e incendiou em suas mentes uma idéia já em execução: implantar no Rio Grande uma revolução tradicionalista." E realmente, com nervos de aço, o 35 ainda está aí, parindo CTG por todo Brasil e no exterior. Apenas a Maria Luiza Benites gravou toda a letra conforme segue:

Felicidade foi-se embora
e a saudade no meu peito ainda mora
e é por isso que eu gosto lá de fora
porque sei que a falsidade não vigora.
Lá onde eu moro tem muita mulher bonita
que usa vestido sem cinta e tem na boca um coração
cá na cidade se vê tanta falsidade
que a mulher faz tatuagem até mesmo na afeição.
A minha casa fica lá detrás do mundo
mas eu vou em um segundo quando começo a cantar
o pensamento parece uma coisa à-toa
mas como é que agente voa quando começa a pensar.
Na minha casa tem um cavalo tordilho
que é irmão do que é filho daquele que o Juca tem
quando eu agarro seus arreios e lhe encilho
sou piro que limpa trilho
corro na frente do trem.

Mas Lupi não encerrou a carreira nativista por aí. Embora gravado já nos anos 50, pelo Conjunto Vocal Farroupilha, foi nos anos 70, na recriação dos Almôndegas, de que faziam parte os irmãos Kleiton e Kledir, que Amargo alcançou notoriedade:

Amigo, boleia a perna
puxa o banco e vá sentando,
encosta a palha na orelha
e o cigarro vá ajeitando.
Enquanto a chaleira chia
o amargo vou cevando.
Foi bom você ter chegado,
eu tinha que lhe falar
um gaúcho apaixonado
precisa desabafar.
Chinoca saiu de casa
com meu amigo João
bem diz que mulher tem asas
na ponta do coração.

Também da metade dos anos 50 é Jardim da Saudade, uma espécie de radiografia amorosa do Rio Grande, composta com seu parceiro Alcides Gonçalves, e gravada por Luiz Gonzaga:

Ver carreteiro na estrada passar
e o gaiteiro sua gaita tocar
ver campos verdes cobertos de azul
isto só vindo ao Rio Grande do Sul.
Ver gauchinha o seu pingo montar
e amar com sinceridade
ao Rio Grande do Sul
é pra mim o jardim da saudade.
Oh que bom seria
se Deus um dia de mim se lembrasse
e lá para o céu
o meu Rio Grande comigo levasse.
Mostraria este meu paraíso
par aos anjos verem a verdade
que o Rio Grande do Sul
sempre foi o jardim da saudade.




















         
Lupicínio Rodrigues nasceu em Porto Alegre, RS, em 19 de setembro de 1914. Foi o inventor do termo "dor-de-cotovelo". Este termo, ao contrário do que se propagou como inveja - se refere à prática, comum nos bares, do homem ou mulher que se senta no balcão, crava os cotovelos no mesmo, pede um Whisky duplo, faz bolinhas com o fundo do copo e chora o amor que perdeu.

Lupe, como era chamado desde pequeno, tinha três grandes paixões em sua vida: a música, o bar e as mulheres. A música poderia ter convivido com tranqüilidade com as outras duas, mas as mulheres em sua vida jamais entenderam ou conviveram com sua paixão pela boemia.

Constantemente abandonado, Lupicínio buscava em sua própria vida a inspiração para suas canções, onde a traição e o amor andavam abraçados, afogando as mágoas na mesa de um bar - onde, finalmente, conseguia unir suas paixões: amor, música e boemia. Com versos profundos, conseguia tocar todos os corações que paravam para ouvi-lo, dando, a cada um, a sua própria história.

Ninguém soube, como ele, cantar a dor e a desilusão de forma tão genial, sem cair em clichês e lugares comuns. Todas as pessoas que um dia choraram um amor, ergueram sem dúvida um brinde a Lupicínio. Faleceu em Porto Alegre, RS, em 27 de agosto de 1974. 

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