domingo, 6 de abril de 2014

Bastos Tigre

Manuel Bastos Tigre

(Recife, PE, 1882 - Rio de Janeiro, RJ, 1957)


Com Emílio de Meneses tem por afinidades o humor (sua poesia satírica leva o pseudônimo de D. Xiquote) e o talento publicitário. Sua filha Helena Ferraz de Abreu (que também foi satirista e usava o pseudônimo masculino de Álvaro Armando) assim retratou o pai:

(Álvaro Armando)

Com relógio no prego e cerveja no lombo,
Vivendo na boêmia, explosivo por vezes,
Ao redor de Bilac e Emílio de Meneses,
Inflamava a Pascoal, punha fogo à Colombo.

Hoje, que o arranha-céu na poesia dá o tombo,
Sem luz os bigodões, nem vinhos portugueses,
É um tipo bonachão, tem hábitos burgueses,
Com relógio no pulso e trabalho no lombo.

Mas aos versos fiel, desse mal não se cura,
A inspiração mordaz, cheia de humor, vadia,
Guarda sob a expressão burocrática e sonsa.

E indago: os seus irmãos pela literatura
Que lhe negam a entrada à "sábia" Academia,
São amigos do Tigre ou amigos da... onça?

Sonetos satíricos de Bastos Tigre

Voz Interior

Quem sou eu? de onde venho e onde, acaso me leva
O Destino fatal que os meus passos conduz?
Ora sigo, a tatear, mergulhado na treva,
Ou tateio, indeciso, ofuscado de luz.

Grão, no campo da Vida, onde a morte se ceva?
Semente que apodrece e não se reproduz?
De onde vim? Da monera? ou vim do beijo de Eva?
E aonde vou, gemendo, a sangrar os pés nus?

Nessa esfinge da Vida a verdade se esconde;
O espírito concentro e consulto a razão,
E uma voz interior, sincera, me responde:

− Quem és tu? Operário honesto da nação.
De onde é que vens? De casa. Onde é que estás? No bonde.
Para onde vais? Não vês? Para a repartição.

Esta República

É certo que a República vai torta;
Ninguém nega a duríssima verdade.
Da pátria o seio a corrupção invade
E a lei, de há muito tempo, é letra morta.

A quem sinta altivez, força e vontade
Ficou trancada do Poder a porta:
Mas felizmente a vida nos conforta
De esperança, uma dúbia claridade.

Porque (ninguém se iluda), "isto" que assim
A pobre Pátria fere, ultraja e explora,
Jamais o sonho foi de Benjamin.

Os motivos do mal não são mistério:
− É que a gentinha que governa agora
É o rebotalho que sobrou do Império.

Amor de Pronto

Suplicas que eu te escreva e que te diga
Se te não quero mais com o mesmo ardor.
Pedes "três linhas... uma frase amiga,
Um rápido bilhete... o quer que for."

Nada perdeu da intensidade antiga
Meu sempre novo e apaixonado amor;
O ofício de te amar não me fatiga
E além do mais eu sou conservador.

Dizes estar de tanta espera farta;
Que os homens, às amantes sempre infiéis,
Só merecem (que horror!) que um raio os parta.

Não! Meu silêncio tem razões bem cruéis:
Ando "por baixo" e custa cada carta
Tinta, papel e um selo de cem réis.

Reforma do Ensino

Mal o Congresso arranja uma reforma
Da Instrução malsinada e miseranda,
Outra já se prepara; e desta forma
Ela de Herodes a Pilatos anda.

Da mania reinante segue a norma
(Pois que da glória os píncaros demanda)
E de um grande projeto o esboço forma
O fecundo doutor Passos Miranda.

A nova lei ordena que os pequenos
Trilhem com aplicação e com cuidado
Seis anos de científicos terrenos.

Um parágrafo seja acrescentado:
− O saber ler é obrigatório; a menos
Que o rapaz se destine a deputado...

Definição

Amor é mal e é mal que não tem cura,
Mas, sendo mal, sofrê-lo nos faz bem.
Chora o amante, se o amor lhe dá ventura,
E ri da dor, se dele, a dor lhe vem.

O amor é vida e leva à sepultura;
É doce filtro, o amor, e fel contém;
É luz, mas entretanto, em noite escura,
Tonto, a tatear, o alguém que ama outro alguém.

Apesar de cego, o amor vê o invisível;
Por firme que se mostre, é sempre vário,
É Deus, e faz de um santo, um pecador.

Inerme e fraco, é força irresistível;
Sendo, pois, a si mesmo tão contrário,
Quem é que pode definir o amor?...


Bastos Tigre

Manuel Bastos Tigre

Manuel Bastos Tigre, jornalista, poeta, humorista, revistógrafo e compositor, nasceu em 12/3/1882 em Recife, PE e faleceu no dia 1/8/1957 no Rio de Janeiro, RJ.

Mudou-se para o Rio de Janeiro ainda estudante. Ali trabalhou como jornalista, escrevendo sob o pseudônimo de D. Quixote.

Com 24 anos estreou como revistógrafo com a peça Maxixe, sua e de Batista Coelho, que também usava um pseudônimo: João Foca. Naquele mesmo ano de 1906, conheceu também seu primeiro sucesso musical, Vem cá, mulata, em parceria com Arquimedes de Oliveira, incluída em sua revista Maxixe, interpretada por Maria Lino.

A partir de 1918, em todos os bondes lia-se o reclame escrito por Bastos Tigre:

Veja, ilustre passageiro,
O belo tipo faceiro
Que o senhor tem ao seu lado.
No entanto, acredite,
Quase morreu de bronquite:
Salvou-o o Rhum Creosotado.

Foi autor do primeiro disco publicitário do Brasil, Chopp da Brahma, em parceria com Ary Barroso e gravado em 1935 pelo iniciante Orlando Silva.

Até a década de 1920 escreveu várias peças de sucesso, entre elas Grão-de-bico (1915), De pernas pro ar, com Cândido Castro (1916), Viva o amor, com Eduardo Vitorino (1924) e Ziguezague (1926).

Foi fundador e diretor da revista D. Quixote. Foi um dos fundadores, presidente e tesoureiro da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, fundada em 1917) e ainda teve a função de bibliotecário na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Principais sucessos musicais:
A despedida, Eduardo Souto e Bastos Tigre (1932)
A saudade, Eduardo Souto e Bastos Tigre (1932)
Casa de paulista, versão de Bastos Tigre da canção Casa de caboclo de Hekel Tavares, Chiquinha Gonzaga e Luiz Peixoto (1929)
Cassino Maxixe (A maçã proibida), Sinhô e Bastos Tigre (1927)
Chopp da Brahma, Ary Barroso e Bastos Tigre (1935)
Vem cá, mulata, Bastos Tigre e Arquimedes de Oliveira (1906)

Fonte: www.geocities.com

Manuel Bastos Tigre

Foi homem de múltiplos talentos, pois foi jornalista, poeta, compositor, teatrólogo, humorista, publicitário, além de engenheiro e bibliotecário. E em todas as áreas obteve sucesso, especialmente como publicitário. É dele, por exemplo, o slogan da Bayer que correu o mundo, garantindo a qualidade dos produtos daquela empresa:

“Se é Bayer é bom”. Foi ele ainda quem fez a letra para Ary Barroso musicar e Orlando Silva cantar, em 1934, o “Chopp em Garrafa”, inspirado no produto que a Brahma passou a engarrafar naquele ano, e veio a constituir-se no primeiro jingle publicitário, entre nós.” (As vidas…, p. 16).

Prestou concurso para Bibliotecário do Museu Nacional (1915) com tese sobre a Classificação Decimal. Mais tarde, transferiu-se para a Biblioteca Central da Universidade do Brasil, onde serviu por mais de 20 anos.


Exerceu a profissão de bibliotecário por 40 anos, é considerado o primeiro bibliotecário por concurso, no Brasil.

7 comentários:

  1. minha tia-avó e meu bisavô. orgulho.

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    1. Bastos Tigre, além de ser um notável escritor de textos humorísticos, foi, também, uma grande poeta.
      Você deve orgulhar-se muito de seus antepassados.

      Nilo da Silva Moraes

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  2. Ouvi muito sobre Bastos Tigre através os comentários do meu pai, que era médico, e poeta nas horas vagas. Ficou-me na lembrança o comentário de que esse nobilissimo poeta,surpreendia a todos com finais surpreendentes, fugindo inclusive do assunto ou do tema. Gostaria muito de achar algo assim sobre ele. Por exemplo, ele vinha narrando uma bela viagem, e no final saiu com..." Considere o preço exorbitante dá passagem".

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  3. Desculpem-me alguns erros de grafia.

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    1. O texto está muito bom, dona Janine, prometo que vou pesquisar a história na qual a senhora se refere.

      Um abraço de Nilo da Silva Moraes, compilador do Almanaque Cultural Brasileiro.

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    2. Ah, Nilo, obrigada pelo seu comentário. Se vc descobrir sobre esse peculiaridade do Bastos Tigre, vou ficar muito feliz! Abraços e

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  4. Nilo da Silva Moraes, ainda muito curiosa sobre Bastos Tigre. Quando puder, gostaria de ouvi-lo.
    Janine Monte-Mór Eleuterio

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