O “Grande Rodeio Coringa”,
programa de Darci Fagundes na Rádio Farroupilha, aos domingos à noitinha, foi
recordista na preferência dos ouvintes.
Certa ocasião, seu apresentador,
ao iniciá-lo, foi logo informando “à distinta audiência, espalhada por todo o
Rio Grande do Sul e de Santa Catarina”, que a transmissão, naquela noite, era
externa, diretamente da praça principal de São Leopoldo, onde fora montado um
palanque especial.
– Chega de conversa fiada – disse
Fagundes, com seu forte sotaque de gaúcho da fronteira – que hoje é a semifinal
do campeonato estadual de trova. Vamos de uma vez às apresentações. Temos aqui
este índio lá de Santiago, uma barbaridade de grosso, seu Dagoberto Paranhos;
e, neste outro lado, este não menos barbaridade de grosso índio de São
Jerônimo, o seu Manoel Camargo. E toca duma vez a sanfona, Osvaldinho, que este
povaréu quer é ver peleia da braba!
A gaita deu os acordes iniciais e
os contendores começaram a alternar-se nas trovas. Contudo, ao invés de versos
provocantes, lances irônicos e habilidade verbal, o público assistia a uma
sucessão de versos chochos, desmotivados, construídos sem originalidade, só
contendo elogios recíprocos. No meio de um dos cantos, Fagundes interveio:
– Um momentinho. Vamos parar um
pouco. Eu estou vendo que estes índios estão muito encabulados, ou são educados
demais. A gente entende, afinal é a primeira vez que eles vêm a uma cidade grande
como São Leopoldo. Mas, o que este povo e os ouvintes de casa querem é ver
vocês se pegando, se atacando feio, que nem briga de foice, e não essa troca de
gentilezas. Isto está triste como “carancho em tronqueira”. Vamos botar “fogo
nas canjica”, compadre! Começa tudo de novo! E abre a gaita, Osvaldinho!
Os contendores recomeçaram,
seguindo à risca as instruções recebidas. Os elogios então cessaram; com isso:
tua terra não é tão boa, tuas mulheres sabe-se como são, o teu jeito é meio
esquisito... até que o representante de São Jerônimo cantou os seguintes versos:
“Índio lá de Santiago
Hoje eu te boto os freio
Trepo em riba do teu lombo
Despois de botá os arreio
Te dou com o mango nas anca
Te deixo de cu vermeio.”
Neste último verso a transmissão foi cortada. Passou-se
então a ouvir suave música incidental, de orquestra de cordas, posta pelo
estúdio em
Porto Alegre. Minutos depois, voltou a voz de Fagundes:
– Eu queria pedir desculpas aos
nossos milhares de ouvintes de casa e a esta multidão que está aqui nos
prestigiando com seu comparecimento. Mas é que o índio de São Jerônimo é grosso
demais!
E dirigindo-se ao faltoso:
– Como é que o senhor me diz uma
coisa dessas, seu Manoel? E o respeito, onde fica? O senhor não sabe
que há autoridades civis, militares e eclesiásticas em cima deste palanque? E
as senhoras e senhoritas presentes, então, como é que ficam? E este povo todo?
Enquanto recebia a censura, o
acusado estava de braços cruzados sobre o peito, sacudindo a cabeça baixa,
sobre a qual tinha um chapelão, enquanto olhava a ponta das botas. A imagem
exata do “que barbaridade, como é que mescapô!?”
Fagundes seguia a peroração:
– Mas, tudo bem, eu já falei com
os índios. Eles me disseram que aqui pra frente vão se comportar. Assim que
continua a trova! Dá-le, Osvaldinho, que a vez é do índio de Santiago.
A gaita puxou, chorosa, os
acordes já consagrados, terminou a introdução, deu a chamada e o representante
de Santiago – que precisava continuar – reiniciou atavicamente, da única forma
que conhecia:
– “Me deixou de cu vermeio”...
Acabou com a transmissão.
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(Do livro “Anedotário da Rua da Praia”,
de Renato Maciel de Sá Júnior)
de Renato Maciel de Sá Júnior)
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