Paula Nei, em 1880, no Teatro
Santana, foi apresentado por Aluízio de Azevedo a Coelho Neto, então estudante.
Depois de trocarem um aperto de
mão, Nei perguntou-lhe abruptamente:
‒ Sabe ler?
Coelho Neto sorriu vexado.
Coragem meu amigo! ‒ bradou Nei -
há vergonhas maiores. É poeta, aposto? Antigamente era a lira o símbolo dos
poetas, agora é o "pince-nez"... Que gênero?
‒ Ensaio-me na prosa ‒ disse
timidamente Coelho Neto.
Paula Nei ergueu-se
violentamente, como impelido por mola e encarou-o: ‒ E tenciona viver das
letras? ‒ perguntou assombrado.
O estudante encolheu os ombros
com resignação e o boêmio irrompeu:
‒ Pois, meu amigo, aceite os
meus pêsames!
E inclinando-se, rugiu ao ouvido
de Coelho Neto:
‒ Cure-se! Não vá para um
convento, vá para o hospício. Cure-se enquanto é tempo. Neste país viçoso a
mania das letras é perigosa e fatal. Quem sabe sintaxe aqui é como quem tem
lepra. Cure-se! Isto é um país de cretinos, de cretinos!... Convença-se. É a
Frígia do tempo de Midas: só vence quem tem orelhas. Olhe, se eu me debruçasse
a um dos camarotes desta barraca e bradasse: “Que se conservem neste recinto os
que sabem gramática”, o teatro ficava vazio. Letras, só as de câmbio,
convença-se.
*****
Coelho Neto (Henrique Maximiano C.
N.), professor, político, romancista, contista, crítico, teatrólogo,
memorialista e poeta, nasceu em Caxias, MA, em 21 de fevereiro de 1864, e
faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 28 de novembro de 1934. É o fundador da
Cadeira nº 2 da Academia Brasileira de Letras, que tem como patrono Álvares de Azevedo.
O nome de Francisco de Paula Nei
(Vila de Aracati, CE, 2/2/1858 – Rio de Janeiro, RJ, 13/10/1897) é mencionado
nos meios literários, atualmente, máxime e somente como partícipe da vida
boêmia que marcou o Rio de Janeiro da belle époque, e na qual figuraram nomes
que acabaram se imortalizando, como é o caso de Aluízio Azevedo e Olavo
Bilac, e outros que a Crítica de hoje situa em posição menos elevada – são
exemplos Coelho Neto, Guimarães Passos, Luís Murat, e muitos outros.
Figura de enorme popularidade no Rio de Janeiro de sua época, Paula Nei nunca pretendeu se dedicar seriamente à literatura, e muito menos viver dela – passou sua mocidade vivendo do que lhe rendia sua atividade na imprensa diária, bem como dos freqüentes favores que lhe faziam seus colegas e conhecidos. Sua vida apenas conheceu relativa estabilidade após seu casamento, quando o status de pai de família, o emprego público e a saúde cada vez mais fragilizada impediam-lhe de viver no mesmo desregramento de antes.
Não obstante fugir da carreira
literária, que considerava avessa ao seu gênio turbulento e ansioso por
movimento, Paula Nei, em sua curta existência (faleceu aos 37 anos de idade),
acabou deixando à posteridade, além das linhas que anonimamente escreveu nos
jornais, também algumas modestas produções poéticas, que, juntamente com alguns
discursos de sua lavra (Paula Nei foi brilhante orador, ficando famosa sua
capacidade de improvisação, sendo que nos restou algumas transcrições de seus
discursos nos jornais da época), compõem seu reduzido acervo literário.
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