terça-feira, 1 de abril de 2014

O encontro de Paula Nei e Coelho Neto


Paula Nei, em 1880, no Teatro Santana, foi apresentado por Aluízio de Azevedo a Coelho Neto, então estudante.

Depois de trocarem um aperto de mão, Nei perguntou-lhe abruptamente:

‒ Sabe ler?

Coelho Neto sorriu vexado.

Coragem meu amigo! ‒ bradou Nei - há vergonhas maiores. É poeta, aposto? Antigamente era a lira o símbolo dos poetas, agora é o "pince-nez"... Que gênero?

‒ Ensaio-me na prosa ‒ disse timidamente Coelho Neto.

Paula Nei ergueu-se violentamente, como impelido por mola e encarou-o: ‒ E tenciona viver das letras? ‒ perguntou assombrado.

O estudante encolheu os ombros com resignação e o boêmio irrompeu:

‒ Pois, meu amigo, aceite os meus pêsames!

E inclinando-se, rugiu ao ouvido de Coelho Neto:

‒ Cure-se! Não vá para um convento, vá para o hospício. Cure-se enquanto é tempo. Neste país viçoso a mania das letras é perigosa e fatal. Quem sabe sintaxe aqui é como quem tem lepra. Cure-se! Isto é um país de cretinos, de cretinos!... Convença-se. É a Frígia do tempo de Midas: só vence quem tem orelhas. Olhe, se eu me debruçasse a um dos camarotes desta barraca e bradasse: “Que se conservem neste recinto os que sabem gramática”, o teatro ficava vazio. Letras, só as de câmbio, convença-se.



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Coelho Neto

Coelho Neto (Henrique Maximiano C. N.), professor, político, romancista, contista, crítico, teatrólogo, memorialista e poeta, nasceu em Caxias, MA, em 21 de fevereiro de 1864, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 28 de novembro de 1934. É o fundador da Cadeira nº 2 da Academia Brasileira de Letras, que tem como patrono Álvares de Azevedo.


Paula Nei

O nome de Francisco de Paula Nei (Vila de Aracati, CE, 2/2/1858 – Rio de Janeiro, RJ, 13/10/1897) é mencionado nos meios literários, atualmente, máxime e somente como partícipe da vida boêmia que marcou o Rio de Janeiro da belle époque, e na qual figuraram nomes que acabaram se imortalizando, como é o caso de Aluízio Azevedo e  Olavo Bilac, e outros que a Crítica de hoje situa em posição menos elevada – são exemplos Coelho Neto, Guimarães Passos, Luís Murat, e muitos outros.

Figura de enorme popularidade no Rio de Janeiro de sua época, Paula Nei nunca pretendeu se dedicar seriamente à literatura, e muito menos viver dela – passou sua mocidade vivendo do que lhe rendia sua atividade na imprensa diária, bem como dos freqüentes favores que lhe faziam seus colegas e conhecidos. Sua vida apenas conheceu relativa estabilidade após seu casamento, quando o status de pai de família, o emprego público e a saúde cada vez mais fragilizada impediam-lhe de viver no mesmo desregramento de antes.

Não obstante fugir da carreira literária, que considerava avessa ao seu gênio turbulento e ansioso por movimento, Paula Nei, em sua curta existência (faleceu aos 37 anos de idade), acabou deixando à posteridade, além das linhas que anonimamente escreveu nos jornais, também algumas modestas produções poéticas, que, juntamente com alguns discursos de sua lavra (Paula Nei foi brilhante orador, ficando famosa sua capacidade de improvisação, sendo que nos restou algumas transcrições de seus discursos nos jornais da época), compõem seu reduzido acervo literário.


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