Logo
depois do almoço, Mário atravessa a Rua Caldas Júnior para ir à redação
do Correio do Povo buscar a correspondência e tomar o habitual
cafezinho. Distraído, não vê o Chevette que dá marcha a ré para sair do
estacionamento, nem é notado pelo motorista.
Socorrido
por dois homens, imediatamente é colocado no carro, que segue rápido para o
Hospital de Pronto Socorro. Depois de acender um cigarro, segurando a perna que
doía e sem perceber que o automóvel que o levava era o mesmo que o atropelara,
Mário pergunta ao preocupado motorista:
− Anotaram o número da placa?
E o tranquiliza:
− É para jogar na loto.
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No
atropelamento, Quintana quebrara o fêmur esquerdo e deveria submeter-se a uma
cirurgia para colocação de prótese. Os médicos preocupavam-se com a idade dele,
79 anos, e anteciparam que a recuperação poderia ser lenta. Ele permaneceria
alguns dias no hospital. Paciência, ora bolas!
− Lá
vou ter bastante tempo para trabalhar. Só que agora meus poemas vão sair de
pé-quebrado...
E ao saber que a prótese
seria de platina:
− Ah! Agora sim, vou ser um
poeta de valor...
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Início
de mais uma madrugada. Mário chega à pensão em que morava, Barros Cassal, perto
da Avenida Independência, e é mal recebido pelos cachorros. Reage aos latidos
com todos os palavrões disponíveis. Na calçada, os pintores Waldeny Elias e
Gastão Hofstaetter, que passaram a noite bebendo com ele e vieram deixá-lo em
casa, assistem à cena.
E meio à gritaria, abre-se a
janela e surge a dona da pensão:
− Mas
o que é isso, seu Mário! O senhor, um homem tão culto, dizendo essas
barbaridades!
Ele se defende:
− É que a senhora não sabe os
nomes que os seus cachorros estão me dizendo...
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Depois
do almoço, Mário Quintana e o jornalista J. Prado Magalhães. da Folha da
Tarde, fazem a digestão caminhando pela Rua da Praia. Ao chegarem à Rua da
Ladeira, Mário tem sua atenção despertada por uma nova placa de trânsito
colocada ali: “Esquina perigosa”. Num tom irônico, quase distante, observa:
− Vejam
só. Como se a esquina pudesse ser perigosa. Perigosos são os motoristas, ora
bolas...
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Autografa
um de seus livros com a tranquilidade costumeira, dizendo uma coisa ou outra
para as crianças da fila, quando é apresentado a um ministro de Estado de
passagem por Porto Alegre e que estava ali para cumprimentá-lo. Curvando o
corpo o político confessa, tentando ser gentil:
− Gosto muito dos seus
versinhos.
E
Quintana, abrindo aquela sua expressão típica de incredulidade, revida no mesmo
instante:
− Muito obrigado pela sua
opiniãozinha.
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O
desconhecido espalhou sobre a mesa do poeta cerca de cem folhas de papel almaço
repletas de sonetos manuscritos:
− Seu Mário, vim trocar
algumas ideias com senhor.
− Não aceito – disse Quintana
-, vou sair perdendo!
(Do livro “Ora bolas”, o humor cotidiano de Mário
Quintana
– de Juarez Fonseca)
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