quarta-feira, 16 de abril de 2014

Oddone Greco



Oddone Nicolino Greco - 1958

A rua mais famosa de Porto Alegre


Oddone Greco, O folclórico personagem da Rua da Praia, fazia as suas sempre muito sério e solene, num trajar elegante e distinto. Cedo a cidade conheceu suas brincadeiras.

Na Porto Alegre dos anos 30 e 40, um boa-via sofisticado passa trotes na igreja, no colégios de padres, nas casas de comércio e nas principais ruas do Centro. Oddone Nicolino Greco semeou anedotas pela capital.

Havia duas conhecidas e distintas senhoras da alta sociedade porto-alegrense entre a quais Greco sabia inexistir relação maior que cumprimentos formais e sorrisos leves. Telefonou para cada uma delas, imitando a voz da outra. Em ambas as ocasiões, de forma sutil e simpática elogiou a casa da interlocutora, manifestando curiosidade em conhecê-la por dentro. As duas logicamente entenderam a insinuação e convidaram uma à outra para chás em suas casas. De tal forma agiu Oddone que, em determinado dia e hora, as ditas senhoras estavam cada qual em sua residência esperando a visita da outra, com o chá especialmente preparado. Não há registro do que aconteceu depois. Ambas jamais comentaram o fato. Aliás, comme il faut.

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Quando as rádios noticiaram acidente sem vítimas no Aeroporto São João (ou "da Varig"), Oddone interessou-se e foi logo para lá. O pequeno teco-teco adernara ao aterrissar, acabando por cair fora da pista completamente desmantelado. A hélice, lançada longe, restara inutilizada, embora milagrosamente inteira. Desde sua chegada, Greco pusera os olhos naquela peça lustrosa e bonita. Esperou paciente o término do trabalho de autoridades e imprensa e, quando todos os curiosos haviam ido embora, conseguiu, insistente e simpático, levar a hélice consigo. Seu pensamento estava voltado para o novo hotel da Rua Santo Antônio cujo proprietário maníaco por aviões resolvera decorar a parte térrea do prédio com motivos aeronáuticos. Para azar de Oddone, porém, o homem não se interessou pela hélice: já conseguira uma.

O rapaz teve então outra ideia. O Ao Belchior, bricabraque do português Joaquim da Cunha, era muito procurado por quem quisesse objetos estranhos, não disponíveis no comércio tradicional. Se a pessoa não encontrava a coisa desejada, era comum deixar pedido. Passando-se por dono desse hotel de Santo Antônio, Greco telefonou para seu Joaquim perguntando se tinha hélice de avião à venda. Não havendo, deixou pedido preferencial, com nome e endereço, era urgente, as obras estavam no fim o preço era secundário. Nos dias seguintes, novas ligações do hoteleiro ao brique, até mandaletes apareceram. O português procurava o objeto, sem resultado.

Certa manhã, Oddone, carregando a hélice ao ombro, passou por acaso pelo Ao Belchior e ficou distraidamente olhando a vitrine. Daí a pouco Joaquim chegou até a calçada:
- Essa hélice é tua?
- É.
- Queres vendê-la?
- Não sei... eu ia pendurar no quarto...
- Pois te dou um conto de réis por ela. Pago agora.
- Fechado - disse Oddone.

O português jamais soube o que realmente aconteceu, pois quando esteve no hotel e o dono negou ter feito a encomenda, notou outra hélice recém-pendurada na parede. Deduziu então que o hoteleiro conseguira-a por outros meios e esquecera de avisar ao brique, não querendo depois assumir o prejuízo.

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Oddone aprontou algumas em casa, o ambiente pesou e acabou refugiando-se no apartamento de amigo, defronte à Escola de Cadetes. O toque de alvorada no colégio acordava-o diariamente as quinze para as seis da manhã. Resolveu telefonar para lá, pedindo para chamar o corneteiro, a quem inicialmente cumprimentou pela boa qualidade da execução e pela afinação. Encompridou então a conversa, apresentou-se como colega, pois também tocava clarim na banda do colégio Rosário. Depois de granjear a simpatia do soldado, tentou convencê-lo a soprar mais baixo: só grandes músicos conseguiram controlar o sopro de tal forma que apenas os cadetes despertassem, deixando em paz a vizinhança próxima. Não adiantou. Dias mais tarde, farto de tanto madrugar, deixou o apartamento do conhecido.

Dedicou-se nas semanas seguintes ao estudo intensivo de pistom, com um sargento-corneteiro da reserva da Brigada que descobrira no Quarto Distrito, adquirindo assim pleno domínio do instrumento.

Tempos depois, quase amanhecendo e no meio do silêncio, aproximou-se de carro do Colégio Militar, escolheu local longe da guarda e, corneta em punho, num belo desempenho a pleno pulmão, executou o toque da alvorada. Acordou todo mundo quase uma hora antes. Inicialmente, ninguém notou o detalhe: zonzos de sono, todos principiaram a vestir-se de forma automática e condicionada. O engano só foi constatado minutos após, quando alguns conferiram os relógios. Aí já não adiantava mais voltar para a cama. Instaurou-se sindicância, o infeliz do corneteiro, suspeito óbvio, dando grandes explicações...

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Os motorneiros, cobradores e fiscais dos bondes, quando diminuía o movimento, gostavam de dar ligeiras paradas num boteco perto da esquina da Rua da Praia com Bento Martins. Oddone, à tardinha de um sábado, em hora morta, aproveitou um bonde vazio, assumiu os controles e fugiu até o fim da linha de Navegantes, a poucos quilômetros de distância. Lá chegando, desceu e voltou de táxi para a casa.

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Tanta baderna Oddone vinha aprontando na entrada do Colégio Rosário que os maristas, para impor respeito, colocaram ali um irmão jovem e forte. No primeiro dia funcionou tudo bem. Na manhã seguinte, entretanto, antes de entrar, Odone instruiu dois cupinchas para começarem discussão acalorada uns dez metros além do novo porteiro e, em seguida, simularem briga. Assim fizeram. Iniciado o programado bate-boca, Greco foi para junto do padre. Este, pescoço espichado para o lado oposto, tentava identificar o alarido vindo do meio da leva de estudantes. Quando irrompeu a briga, o marista rapidamente correu. Ao fazê-lo, contudo, levou de arrasto pesado tripé de sustentação do enorme vaso de flores existente ao lado do portão do colégio, derrubando-o e esparramando plantas, terra e pedaços de cerâmica. Odone amarrara na armação da floreira a ponta solta da faixa que o padre usava na cintura...

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A afinidade das famílias Greco e Portinho decorria do avô de Oddone, Nicola, figura patriarcal em ambas. Certa feita, o velho quis fotos de toda descendência reunida. Ninguém poderia faltar.

Não foi fácil realizar tal desejo. Eram mais de trinta pessoas, algumas delas muito atarefadas ou com viagens marcadas. Cerca de dois meses depois, finalmente a reunião tornou-se possível. Contratou-se Dutra, o melhor fotógrafo da cidade, e várias chapas foram tiradas de toda família, agrupada solene ao redor do velho.

Dias depois, Dutra retornou com as revelações, dizendo-se em dúvida sobre se iriam agradar: em algum canto de todas elas sempre aparecia Oddone com uniforme do Colégio Rosário, em pose circunspecta, ostentando bem visível, na altura do peito, caprichado círculo formado pelo indicador e polegar da mão direita.

Nunca mais conseguiram juntar todos.

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Os companheiros de time de Oddone, liderados por Mandico, foram procurar o irmão Afonso, diretor do Ginásio Rosário, para saber o motivo da recente proibição de entrada do amigo no secundário:

- Sinto muito - disse o religioso - , mas esse aluno não pisa mais aqui. É louco. Descobrimos que foi ele quem telefonou ontem para os bombeiros e depois para cá, dizendo que o terceiro andar do colégio estava incendiando. E nada acontecera. Esse moço é com-ple-ta-men-te lou-co! vai ser expulso. Também ficamos sabendo que na semana passada ele conseguiu, não sei como, carregar uma freira até nossa secretaria, depois de convencê-la a matricular-se num tal de curso de ginecologia!

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As três horas da manhã, certa ocasião, ligou para um comerciante, de sobrenome Carijó. Depois de muito tocar, o aparelho foi atendido por uma sonolenta voz feminina.
- Minha senhora, aqui quem fala é amigo do seu marido. Preciso falar com ele com a máxima urgência.
O homem veio correndo ao telefone.
- Alô, é o Carijó?
- É, sim. Quem fala?
- Aqui é Legorne!*

(Do livro Anedotário da Rua da Praia, de Renato Maciel de Sá Júnior)

* Raça de galinha


Oddone Greco, aparentemente, nunca teve preocupações. Entretanto morreu de infarto, em fevereiro de 1959, ao redor dos quarenta anos, ainda solteiro.

No dia de seu falecimento, os familiares foram chamados na praia, através das rádios. Alguns amigos ouviram as mensagens, mas não deram maior importância, pensando tratar-se de mais um de seus trotes.



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