“Lembra-te, ó homem, de que és pó
e ao pó hás de voltar.”
“Quem partiu agora não foi apenas um homem,
mas uma bandeira.
Ele foi um homem ímpar.
Sinto-me honrado de ter sido seu contemporâneo.
Estou sozinho, como se tivesse perdido uma das coisas
mais importantes da minha vida.”
Lúcio Yanel
(Na morte de Jayme
Caetano Braun, poeta tradicionalista gaúcho)
“O meu amado morreu:
preciso viver sua morte até o fim.
Morreu sem que se instalasse entre nós cansaço e banalidade.
Talvez tenha morrido na medida certa
para nada se desgastar.
Dele me vem a dor, mas também a ternura,
a claridade que me permite ver
em todos os rostos o seu rosto,
em todos os vultos o seu vulto
e ouvir em todos os silêncios
o seu inesperado riso de criança.”
Lya Luft
(Na morte do seu
esposo, o professor Celso Pedro Luft)
Ausência
“Por muito tempo achei que a
ausência é falta.
E lastimava, ingrato, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada,
aconchegada nos meus braços
que rio e danço e invento
exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência
assimilada,
ninguém a rouba de mim.”
Carlos Drummond de
Andrade
“Qualquer que seja o lugar onde
vos deixem para o repouso eterno,
todos tereis o mesmo destino:
sereis esquecidos e reduzidos a
pó,
porque essa é a lei da vida.
Repousa em paz,
findou o combate!”
(Axel Munthe, “O
Livro de San Michele”)
“Insensato eu estar aqui, e viva.
O rosto dele me contempla
vincado e triste no retrato sobre
minha mesa;
em outros, sorri para mim,
apaixonado e feliz.
Insensato, isso de sobreviver:
mas cá estou, na aparência
inteira.
Vou à janela esperando que ele
apareça
e me acene com aquele seu gesto
largo e generoso,
que ao acordar esteja ao meu lado
e que ao telefone seja sempre a
sua voz.
Sei e não sei que tudo isso é
impossível,
que a morte é um abismo sem pontes
(ao menos por algum tempo).
Sobrevivo, mas pela insensatez.”.
Lya Luft
(Na morte de Hélio
Pellegrino, seu segundo marido.)
“...quando um companheiro morre assim,
sua morte parece um ato que está na ordem normal do ofício...
Mas, pouco a pouco, descobrimos que não ouviremos nunca mais
o seu riso claro;
descobriremos que aquele jardim está fechado para sempre.
Então começa nosso verdadeiro luto,
que não é desesperado, mas um pouco amargo.
Nada, jamais, substituirá o companheiro perdido.
Ninguém pode criar velhos companheiros.
Nada vale o tesouro de tantas recordações comuns,
de tantas horas vividas juntas, de tantas desavenças,
de tantas reconciliações, de tantos impulsos afetivos.
Não se reconstroem essas amizades.
Seria inútil plantar um carvalho na esperança de ter,
em breve, o abrigo de suas folhas...
Um a um dos companheiros nos retiram sua sombra.
E aos nossos lutos mistura-se então a mágoa secreta de
envelhecer.”
Antoine
Saint-Exuperry
“Não fale comigo agora;
a ferida ainda está aberta,
a dor é terrível,
e eu não consigo esquecer;
amortece um pouco e,
como uma onda,
volta a atormentar-me.
Compreendo suas lágrimas,
mas o sofrimento é surdo;
ele não ouve as palavras
que você carinhosamente
planejou e tentou dizer.
Mas... ore...”
Ruth Bell
Graham
“Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos
testemunharam:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua
falta.
Sei bem que ela virá
(Pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais.
Por exemplo, assim:
À mesa conversarão de uma coisa e
outra,
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de
sangue.
Alguém perguntará em que estou
pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente.
Mas agora não sinto a sua falta.
(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)
Você não se despediu.)
Você não morreu: ausentou-se.
Direi: faz já tempo que ele não
escreve.
Irei a São Paulo: você não vira
ao meu hotel.
Imaginarei: está na chacrinha de
São Roque.
Saberei que não, você ausentou-se.
Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua.
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto a gora a sua
falta.”
Transcrição dos
sentimentos de Manuel Bandeira,
em “A Mário de
Andrade ausente”, escrito em 1945.
Poema do amigo morto
Quem morreu, não foi ele.
Foram as coisas, que deixaram
de ser vistas pelos seus olhos.
Que morreu, não foi ele.
Foram os objetos que a sua
mão deixou de tocar.
Os seus livros, o seu pequeno
cão, estão defuntos.
Não foi o sangue que lhe parou
de fluir, nas veias;
foi, antes, o vinho quem ficou
imóvel,
na garrafa.
Não é ele o defunto, é o mundo
que morreu nos seus cinco
sentidos.
É o sol,
o grande sol pendido
que ainda lhe ilumina o rosto.
É a rosa,
a rosa quente já esfria,
no corpo onde, a todo momento,
abria e fechava a corola.
Há um punhal sobre a mesa.
Qual o coração, que está mais
próximo
da sua cintilação homicida?
(Cassiano Ricardo, em A Face Perdida )
Nenhum comentário:
Postar um comentário