domingo, 20 de abril de 2014

Os penicos do Coronel Bicaco



O Coronel Bicaco ganhara o seu título em revoluções e era estancieiro, ervateiro e bolicheiro forte no local onde hoje está a bela e hospitaleira cidade que tem o seu nome.

Fisicamente ele se parecia com Getúlio Vargas, pequeno, forte e entroncado. Grosso como tarugo de pipa, cheio de manias e meio agarrado com os pilas, duma feita recebeu a visita dum viajante de São Paulo que trazia uma novidade para o bolicho: penico alouçado, de vários calibres e virola de cores diferentes. E sem tampa, ao contrário daqueles antigos penicos de louça que vinham nos enxovais fazendo jogo com a jarra, a bacia, a saboneteira e a escarradeira...

O Coronel gostou e quis comprar, mas o homem disse que só vendia por “grosa”. Aí o índio velho pensou que “grosa” era como os birivas chamavam a dúzia e encomendou doze grosas. E de cada tipo!... Surpreendido mas satisfeito, o viajante assinou o pedido.

Daí a umas semanas começou a chegar penico no bolicho que não acabava mais! Os trens despejavam em Ijuí vagões e vagões e as comitivas de carreteiros não tinham descanso. Apavorado, o Coronel Bicaco quis parar com tudo aquilo. Chamou um “confiança”, fez um telegrama, contou as palavras direitinho e deu ao homem cavalo encilhado e o dinheiro justo para passar o telegrama, em Ijuí, a 35 léguas de distância.

Mas deixa que o “confiança” gostava dum trago uma coisa por demais e parou num bolicho de beira de estrada, para umas e outras... Chegou à estação da viação férrea e faltou dinheiro para todo o telegrama, que era assim: “Não manda mais penico. pt Coronel Bicaco”. O negócio era cortar uma palavra e a moça quis saber qual seria. Ele então disse: “Corte a primeira”. Era a palavra “não”.

Resultado: outra inundação de penico! ... Desesperado, o Coronel Bicaco redigiu outro telegrama: Parem de mandar penico. pt. Coronel Bicaco”, contou o dinheiro e mandou o “confiança” de novo a Ijuí. Aí o borracho levou mais dinheiro, do dele. Estava preocupado, achando que estava chegando mais penicos por sua causa, porque deixara da outra feita uma palavrinha à toa de fora.

Aí resolveu corrigir o erro: pegou a palavra que antes tinha ficado de fora e acrescentou no telegrama de agora, satisfeito consigo mesmo. Ficou assim: “Não parem de mandar penico. pt. Coronel Bicaco”.

Até hoje ainda tem penico sem uso, daqueles tempos, em Coronel Bicaco...


(Do livro “Novos causos de galpão”, Antônio Augusto Fagundes)

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