Pois
não vê que vivia no povo do Quaraí um índio velho buenacho, bom de serviço uma
barbaridade, que meio vivia de changa, ora fazendo uns trabalhinhos para um,
ora para outro. Nos intervalos, vendia ovos, porque tinha no fundo do pátio um
cercado onde viviam umas galinhas poedeiras, poedeiras!... Então, quando se
apertava dos cobres, ele enrolava em palha de milho uns quantos ovos, botava
tudo dentro de dois balaios grandes, cada um pendurado na ponta dum pau, que
atravessava nos ombros, e saía a apregoar a sua mercadoria pelas ruas da
cidade, onde era muito conhecido.
Agora, tinha uma coisa: o homem
era meio maniático. E tinha um apelido que ele odiava: Jacaré. Chamado de
Jacaré ele virava uma coatiara! Bufava, se exclamava que ninguém respeitava um
homem velho trabalhador, queria brigar, atirava pedra na gurizada e assim por
diante.
Mas deixa que duma feita ele
vinha pela rua com os dois balaios cheios de “semente de galinha”, equilibrando
no ombro e segurando os balaios com as duas mãos. Nisso um sem-vergonha
qualquer gritou:
- Aí, Jacaré!
Pra que, vizinha! O homem velho
levantou as mãos, talvez para protestar, talvez para ameaçar, talvez para se
exclamar aos céus, e os balaios caíram no chão. E assim como caíram, viraram, e
aquele mundo de ovo bateu nas pedras do calçamento e se quebrou tudo,
espalhando uma meleca de clara e gema que era uma desgraceira só. Vendo o
prejuízo, aí mais o índio velho reclamava, renegava, ameaçava, meio chorando:
- Eu vou é me matar! Eu
tenho mesmo é que morrer! Eu vou me enforcar!...
Uma senhora, que estava com uma
criança pela mão, vendo tudo aquilo, espantada com a decisão do homem por
coisa tão pouca, meio que duvidou:
- Pelos ovos?...
O bicho velho olhou para ela,
meio surpreso, meio brabo:
- Que pelos ovos, nada:
pelo pescoço, minha senhora!
(Do livro “Novos
causos de galpão”, de Antônio Augusto Fagundes)
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