sábado, 12 de abril de 2014

Poemas de Antonio Cícero



GUARDAR

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. 
Em um cofre não se guarda coisa alguma. 
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por 
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por 
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, 
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro 
Do que um pássaro sem voos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, 
por isso se declara e declama um poema: 
Para guardá-lo: 
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda: 
Guarde o que quer que guarda um poema: 
Por isso o lance do poema: 
Por guardar-se o que se quer guardar.

CANÇÃO DA ALMA CAIADA

Aprendi desde criança 
Que é melhor me calar 
E dançar conforme a dança 
Do que jamais ousar
Mas às vezes pressinto 
Que não me enquadro na lei: 
Minto sobre o que sinto 
E esqueço tudo o que sei.
Só comigo ouso lutar, 
Sem me poder vencer: 
Tento afogar no mar 
O fogo em que quero arder.
De dia caio minh'alma 
Só à noite caio em mim 
por isso me falta calma 
e vivo inquieto assim. 

Nota: Esta é a primeira letra que Marina musicou, feita por Cícero nos USA, “Canção da Alma Caiada”. Maria Bethânia chegou a gravar a música em 77, mas foi censurada. Anos depois, Zizi Possi fez nova gravação. Embora Marina já tenha cantado essa canção em shows, nunca a gravou em disco.

Escritor ocupa a Cadeira 27, vaga desde a morte do crítico literário e professor Eduardo Portella. O poeta, filósofo e compositor Antonio Cícero foi eleito em 10 de agosto de 2017 para a Academia Brasileira de Letras (ABL).




Nenhum comentário:

Postar um comentário