sexta-feira, 4 de abril de 2014

A traição de Porongos



Surpresa de Porongos ou Traição de Porongos

Sempre uma preocupação para os farrapos, o coronel do Império Chico Pedro, o Moringue, saía de uma batalha, tramava outro ataque ao inimigo. Às vezes, parecia ter sido derrotado. Quando menos esperavam, Moringue voltava. De preferência, em ataque de surpresa, sua especialidade. Só em março de 1844 Moringue sofreu uma grande derrota. No Cerro Palma, região de Bagé, o coronel farroupilha Antônio Manuel do Amaral desbaratou a força comandada pelo temido coronel imperialista. Dessa vez, foi ele quem precisou fugir, ferido. Amaral queria se vingar: dois dias antes, Moringue tinha invadido Bagé para prender Domingos José de Almeida, ministro da Fazenda da república Rio-grandense, O ódio pelos farrapos não esmorecia. Em maio, recuperado da derrota, Moringue venceu mais uma vez em luta na Serra do Erval. Um mês depois, surpreendeu os farrapos em Piratini, onde prendeu os coronéis José Mariano de Mattos e Joaquim Pedro Soares. Mas o maior golpe Moringue ainda iria aplicar. David Canabarro, comandante de Amas da República Rio-grandense, era o único chefe farroupilha ainda não derrotado por Chico Pedro. Até que, no dia 14 de novembro de 1844, Moringue não só venceu Canabarro como foi protagonista do episódio conhecido como Surpresa de Porongos ou Traição de Porongos. O inimigo número 1 dos republicanos montou um esquema tão bem urdido que jogou dúvidas sobre a fidelidade do comandante de Armas à causa dos farrapos.

Moringue ficou sabendo que Canabarro estava acampado com cerca de 1.200 homens no Cerro dos Porongos, no atual município de Pinheiro Machado, junto com a cavalaria do general Netto e a infantaria de soldados negros sob o comando do coronel Joaquim Teixeira Nunes. A tropa imperial comandada por Moringue era de 1.170 soldados. Mas, antes de partir para um enfrentamento, o especialista em guerrilhas teria escrito uma carta que comprometia Canabarro.

O barão de Caxias, presidente da Província e comandante das tropas imperiais, vinha tentando negociar a paz. Uma carta, com data de 9 de novembro de 1844, assinada por Caxias, teria sido “enviada” a Chico Pedro, que, na região de Bagé, se preparava para atacar os republicanos. Na carta, logo divulgada em toda a República Rio-grandense, Caxias informava a Moringue que tinha acertado com Canabarro a rendição farroupilha em Porongos. Estaria tudo combinado, haveria inclusive homens desarmados, os imperiais devia atacar o acampamento do Cerro dos Porongos na madrugada de 14 de novembro. O documento pode ter sido forjado por Moringue, mas muito do que previa a carta acabou acontecendo.

Na véspera, Canabarro determinou que recolhessem as armas e munições da infantaria negra. Quando Moringue atacou de surpresa, no dia assinalado na carta, o batalhão negro, sem armas, foi massacrado pelos imperiais. Canabarro fugiu a cavalo. Netto tentou resistir, mas se viu obrigado a recuar. Houve mais de cem farrapos entre mortos e feridos. Outros 330 ficaram prisioneiros. Uma das recomendações de Caxias na carta era de poupar os comandantes dos adversários, o que também aconteceu. Com a série de coincidência, pelo que o documento previa e pelo que ocorreu, o nome de David Canabarro passou a ser amaldiçoado como traidor. O acusado alegava inocência: “O tempo dirá a verdade e me fará justiça.”

Além de ser suspeito de traição à causa farroupilha, Canabarro era muito criticado pelo envolvimento com Maria Francisca Ferreira Duarte, chamada por todos de Papagaia. Muitos diziam que, para ficar co a amante na barraca do acampamento, Canabarro se descuidou como comandante do exército farrapo. Na noite da Surpresa de Porongos, o general estava nos braços de Papagaia quando a tropa de Moringue atacou. Mais de uma vez, o general Netto cobrou os prejuízos provocados: em vez de servir à pátria, Canabarro gastava horas com a amante despudorada.

Obeso, desajeitado, David Canabarro não tinha o tipo físico do conquistador sensual e irresistível. Mas viveu várias história de amor.

(Do livro Os Farrapos
de Carlos Urbim – Zero Hora Editora Jornalística S.A)


Carta de Caxias para atacar Porongos

Reservado – Sr. Cel. Francisco Pedro de Abreu, Com. Da 8ª Brigada do Exército – Regule V. S. suas marchas de maneira que no dia 14, às duas horas da madrugada possa atacar as forças a mando de Canabarro, que estará nesse dia no Serro dos Porongos. Não se descuide de mandar bombear o lugar do acampamento de dia, devendo ficar bem certo de que ele há de passar a noite nesse mesmo acampamento. Suas marchas devem ser o mais ocultas que possível seja, inclinando-se sempre sobre a sua direita, pois posso afiançar-lhe que Canabarro e Lucas ajustaram ter as suas observações sobre o lado oposto. No conflito poupe o sangue brasileiro o quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou índios, pois bem sabe que essa pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro. A relação junta é das pessoas a quem deve dar escápula, se por casualidade caírem prisioneiras. Não receia a infantaria inimiga, pois ela há de receber ordem de um ministro de seu general-em-chefe para entregar o cartuchame sob o pretexto de desconfiarem dela. Se Canabarro ou Lucas forem prisioneiros deve dar-lhes escápula de maneira que ninguém possa nem levemente desconfiar, nem mesmo os outros que eles pedem, que não sejam presos, pois V.S. bem deve conhecer a gravidade deste secreto negócio, que nos levará em poucos dias ao fim da revolta desta Província. Se por acaso cair prisioneiro um cirurgião ou um boticário de Santa Catarina, casado, não lhe registre a sua bagagem, nem consinta que ninguém lhe toque, pois com ela deve estar a de Canabarro. Se por fatalidade, não puder alcançar o lugar que lhe indico, no dia 14, às horas marcadas, deverá desferir o ataque para o dia 15 às mesmas horas, ficando certo de que, neste caso, o acampamento estará mudado um quarto de légua, mais ou menos por essas imediações em que estiveram no dia 14. Se o portador chegar a tempo de que esta importante empresa possa se efetuar, V.S. lhe dará seis onças, pois ele promete-me entregar em suas mãos este ofício até às 4 horas da tarde do dia 11 do corrente. Além de tudo quanto lhe digo nesta ocasião, já V S. deverá estar bem ao fato do Estado das coisas pelo meu ofício de 28 de outubro e, por isso, julgo que o bote será aproveitado desta vez. Todo o segredo e circunspecção é indispensável nesta ocasião, e eu confio no seu zelo e discernimento que não abusará deste importante segredo. Deus Guarde a V. S. Quartel-General da Província e Com.-em-Chefe do Exército, em marcha nas imediações de Bagé, 9 de novembro de 1844 – Barão de Caxias.

Apenso – NOTA IMPORTANTE DO COPIADOR, à página 148 desta coletânea de ofícios de Caxias: Este ofício deve ser criteriosamente analisado. Há quem tenha suas dúvidas a respeito de sua autenticidade. No Livro 171 do Museu do Estado, ele está deslocado, isto é, foi copiado na última página do mesmo, página 249, enquanto o ofício que trata da parte do combate dos Porongos está na página 206. O Ofício a que se refere Caxias, de 28 de outubro, contendo o mesmo assunto, não foi possível descobrir. Esse ofício talvez elucidasse o assunto. Vide o que diz a propósito Alfredo Ferreira Rodrigues no Almanaque do Rio Grande do Sul de 1901. A defesa de A. F. Rodrigues de Canabarro me parece fraca. Julgo o documento legítimo, pois Francisco Pedro não teria nenhuma conveniência em divulgar um documento que lhe tiraria todas as honras de uma estrondosa vitória, como foi julgada a surpresa dos Porongos.

Carta de Chico Pedro sobre o Ataque a Porongos

1º – Ofício do Tem.-Cel. Francisco Pedro de Abreu ao Barão de Caxias, datado do campo de Porongos, de 14.11.1844: Hoje ao romper da aurora ataquei ao Canabarro com o seu intitulado exército de mil e tantos homens: foi derrotado completamente, tendo cento e tantos mortos, e trezentos prisioneiros, e julgo excederá muito dos trezentos; porque ainda tenho gente por fora, e estão chegando aos cinco e aos seis; enfim se poderiam-se escapar como duzentos e tantos homens a cavalo extraviados, isto mesmo por o campo ser muito montanhoso, e a minha cavalhada estar muito puxada, pelas muitas marchas de noite, e de dia emboscado. No número dos prisioneiros são trinta e quatro oficiais, sendo um deles o Ministro da Fazenda alheia: deixaram toda a bagagem, e alguns até se escaparam em mangas de camisa; perto de mil cavalos.



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