Surpresa de Porongos ou Traição
de Porongos
Sempre uma preocupação para os
farrapos, o coronel do Império Chico Pedro, o Moringue, saía de uma
batalha, tramava outro ataque ao inimigo. Às vezes, parecia ter sido derrotado.
Quando menos esperavam, Moringue voltava. De preferência, em ataque de
surpresa, sua especialidade. Só em março de 1844 Moringue sofreu uma
grande derrota. No Cerro Palma, região de Bagé, o coronel farroupilha Antônio
Manuel do Amaral desbaratou a força comandada pelo temido coronel imperialista.
Dessa vez, foi ele quem precisou fugir, ferido. Amaral queria se vingar: dois
dias antes, Moringue tinha invadido Bagé para prender Domingos José de
Almeida, ministro da Fazenda da república Rio-grandense, O ódio pelos farrapos
não esmorecia. Em maio, recuperado da derrota, Moringue venceu mais uma
vez em luta na Serra do Erval. Um mês depois, surpreendeu os farrapos em
Piratini, onde prendeu os coronéis José Mariano de Mattos e Joaquim Pedro
Soares. Mas o maior golpe Moringue ainda iria aplicar. David Canabarro,
comandante de Amas da República Rio-grandense, era o único chefe farroupilha
ainda não derrotado por Chico Pedro. Até que, no dia 14 de novembro de 1844, Moringue
não só venceu Canabarro como foi protagonista do episódio conhecido como Surpresa
de Porongos ou Traição de Porongos. O inimigo número 1 dos
republicanos montou um esquema tão bem urdido que jogou dúvidas sobre a
fidelidade do comandante de Armas à causa dos farrapos.
Moringue ficou sabendo
que Canabarro estava acampado com cerca de 1.200 homens no Cerro dos Porongos,
no atual município de Pinheiro Machado, junto com a cavalaria do general Netto
e a infantaria de soldados negros sob o comando do coronel Joaquim Teixeira
Nunes. A tropa imperial comandada por Moringue era de 1.170 soldados.
Mas, antes de partir para um enfrentamento, o especialista em guerrilhas teria
escrito uma carta que comprometia Canabarro.
O barão de Caxias, presidente da
Província e comandante das tropas imperiais, vinha tentando negociar a paz. Uma
carta, com data de 9 de novembro de 1844, assinada por Caxias, teria sido
“enviada” a Chico Pedro, que, na região de Bagé, se preparava para atacar os
republicanos. Na carta, logo divulgada em toda a República Rio-grandense,
Caxias informava a Moringue que tinha acertado com Canabarro a rendição
farroupilha em Porongos. Estaria tudo combinado, haveria inclusive homens
desarmados, os imperiais devia atacar o acampamento do Cerro dos Porongos na
madrugada de 14 de novembro. O documento pode ter sido forjado por Moringue,
mas muito do que previa a carta acabou acontecendo.
Na véspera, Canabarro determinou
que recolhessem as armas e munições da infantaria negra. Quando Moringue
atacou de surpresa, no dia assinalado na carta, o batalhão negro, sem armas,
foi massacrado pelos imperiais. Canabarro fugiu a cavalo. Netto tentou
resistir, mas se viu obrigado a recuar. Houve mais de cem farrapos entre mortos
e feridos. Outros 330 ficaram prisioneiros. Uma das recomendações de Caxias na
carta era de poupar os comandantes dos adversários, o que também aconteceu. Com
a série de coincidência, pelo que o documento previa e pelo que ocorreu, o nome
de David Canabarro passou a ser amaldiçoado como traidor. O acusado alegava inocência:
“O tempo dirá a verdade e me fará justiça.”
Além de ser suspeito de traição
à causa farroupilha, Canabarro era muito criticado pelo envolvimento com Maria
Francisca Ferreira Duarte, chamada por todos de Papagaia. Muitos diziam
que, para ficar co a amante na barraca do acampamento, Canabarro se descuidou
como comandante do exército farrapo. Na noite da Surpresa de Porongos, o
general estava nos braços de Papagaia quando a tropa de Moringue
atacou. Mais de uma vez, o general Netto cobrou os prejuízos provocados: em vez
de servir à pátria, Canabarro gastava horas com a amante despudorada.
Obeso, desajeitado, David
Canabarro não tinha o tipo físico do conquistador sensual e irresistível. Mas
viveu várias história de amor.
(Do livro Os Farrapos,
de Carlos Urbim – Zero Hora Editora Jornalística S.A)
de Carlos Urbim – Zero Hora Editora Jornalística S.A)
Carta de Caxias para atacar Porongos
Reservado – Sr. Cel. Francisco
Pedro de Abreu, Com. Da 8ª Brigada do Exército – Regule V. S. suas marchas de
maneira que no dia 14, às duas horas da madrugada possa atacar as forças a
mando de Canabarro, que estará nesse dia no Serro dos Porongos. Não se descuide
de mandar bombear o lugar do acampamento de dia, devendo ficar bem certo de que
ele há de passar a noite nesse mesmo acampamento. Suas marchas devem ser o mais
ocultas que possível seja, inclinando-se sempre sobre a sua direita, pois posso
afiançar-lhe que Canabarro e Lucas ajustaram ter as suas observações sobre o
lado oposto. No conflito poupe o sangue brasileiro o quanto puder,
particularmente da gente branca da Província ou índios, pois bem sabe que essa
pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro. A relação junta é das pessoas a
quem deve dar escápula, se por casualidade caírem prisioneiras. Não receia a
infantaria inimiga, pois ela há de receber ordem de um ministro de seu
general-em-chefe para entregar o cartuchame sob o pretexto de desconfiarem
dela. Se Canabarro ou Lucas forem prisioneiros deve dar-lhes escápula de
maneira que ninguém possa nem levemente desconfiar, nem mesmo os outros que
eles pedem, que não sejam presos, pois V.S. bem deve conhecer a gravidade deste
secreto negócio, que nos levará em poucos dias ao fim da revolta desta
Província. Se por acaso cair prisioneiro um cirurgião ou um boticário de Santa
Catarina, casado, não lhe registre a sua bagagem, nem consinta que ninguém lhe
toque, pois com ela deve estar a de Canabarro. Se por fatalidade, não puder
alcançar o lugar que lhe indico, no dia 14, às horas marcadas, deverá desferir
o ataque para o dia 15 às mesmas horas, ficando certo de que, neste caso, o
acampamento estará mudado um quarto de légua, mais ou menos por essas
imediações em que estiveram no dia 14. Se o portador chegar a tempo de que esta
importante empresa possa se efetuar, V.S. lhe dará seis onças, pois ele
promete-me entregar em suas mãos este ofício até às 4 horas da tarde do dia 11
do corrente. Além de tudo quanto lhe digo nesta ocasião, já V S. deverá estar
bem ao fato do Estado das coisas pelo meu ofício de 28 de outubro e, por isso,
julgo que o bote será aproveitado desta vez. Todo o segredo e circunspecção é
indispensável nesta ocasião, e eu confio no seu zelo e discernimento que não
abusará deste importante segredo. Deus Guarde a V. S. Quartel-General da
Província e Com.-em-Chefe do Exército, em marcha nas imediações de Bagé, 9 de
novembro de 1844 – Barão de Caxias.
Apenso – NOTA IMPORTANTE DO
COPIADOR, à página 148 desta coletânea de ofícios de Caxias: Este ofício deve
ser criteriosamente analisado. Há quem tenha suas dúvidas a respeito de sua
autenticidade. No Livro 171 do Museu do Estado, ele está deslocado, isto é, foi
copiado na última página do mesmo, página 249, enquanto o ofício que trata da
parte do combate dos Porongos está na página 206. O Ofício a que se refere
Caxias, de 28 de outubro, contendo o mesmo assunto, não foi possível descobrir.
Esse ofício talvez elucidasse o assunto. Vide o que diz a propósito Alfredo
Ferreira Rodrigues no Almanaque do Rio Grande do Sul de 1901. A defesa
de A. F. Rodrigues de Canabarro me parece fraca. Julgo o documento legítimo,
pois Francisco Pedro não teria nenhuma conveniência em divulgar um documento
que lhe tiraria todas as honras de uma estrondosa vitória, como foi julgada a
surpresa dos Porongos.
Carta de Chico Pedro sobre o Ataque a Porongos
1º – Ofício do Tem.-Cel.
Francisco Pedro de Abreu ao Barão de Caxias, datado do campo de Porongos, de
14.11.1844: Hoje ao romper da aurora ataquei ao Canabarro com o seu intitulado
exército de mil e tantos homens: foi derrotado completamente, tendo cento e
tantos mortos, e trezentos prisioneiros, e julgo excederá muito dos trezentos;
porque ainda tenho gente por fora, e estão chegando aos cinco e aos seis; enfim
se poderiam-se escapar como duzentos e tantos homens a cavalo extraviados, isto
mesmo por o campo ser muito montanhoso, e a minha cavalhada estar muito puxada,
pelas muitas marchas de noite, e de dia emboscado. No número dos prisioneiros
são trinta e quatro oficiais, sendo um deles o Ministro da Fazenda alheia:
deixaram toda a bagagem, e alguns até se escaparam em mangas de camisa; perto
de mil cavalos.
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