domingo, 13 de abril de 2014

Um pouco da poesia de Gabriela Mistral



(1889 – 1957)


Eu não Sinto a Solidão         
É a noite desamparo
das montanhas ao oceano.
Porém eu, a que te ama,
eu não sinto a solidão.
É todo o céu desamparo,
mergulha a lua nas ondas.
Porém eu, a que te embala,
eu não sinto a solidão.
É o mundo desamparo,
triste a carne em abandono
Porém
eu, a que te embala,
eu não sinto a solidão.


Decálogo do artista

01. Amarás a beleza, que é a sombra de Deus sobre o Universo.


02. Não há arte ateia. Embora não ames ao Criador, o afirmarás criando a sua semelhança.


03. Não darás a beleza como isca para os sentidos, se não como o natural alimento da alma.

04. Não te será pretexto para a luxuria nem para a vaidade, se não exercício divino.

05. Não buscarás nas feiras nem levarás tua obra a elas, porque a Beleza é virgem, e a que está nas feiras não é Ela.

06. Subirá de teu coração a teu canto e te haverá purificado a ti o primeiro.



07. Tua beleza se chamará também misericórdia e consolará o coração dos homens.


08. Darás tua obra como se dá um filho: tirando sangue de teu coração.

09. Não te será a beleza ópio adormecido, se não vinho generoso que te estimula para a ação, pois se deixas de ser homem ou mulher, deixarás de ser artista.

10. De toda a criação sairás com vergonha, porque foi inferior a teu sonho e inferior a esse maravilhoso Deus que é Natureza.

Tradução - Maria Teresa Almeida Pina

A casa

A mesa, filho, está posta
em brancura quieta de nata,
e em quatro muros que mostram sua cor azul
dando brilhos, a cerâmica.
Este é o sal, este o azeite
e ao centro o Pão que quase fala.
Ouro mais lindo que ouro do Pão
não está nem em fruta nem em retama,
e do seu cheiro de espiga e forno
uma fortuna que nunca sacia.
O partimos, filhinho, juntos,
com dedos duros e palma branda,
e tu o olhas assombrada
de terra preta que dá flor branca.
Abaixada a mão de comer,
que tua mãe também a abaixa.
Os trigos, filho, são do ar,
e são do sol e da enxada;
porém este Pão "cara de Deus"*
não chega as mesas das casas;
e se outras crianças não o tem,
melhor, meu filho, não o tocares,
e não tomá-lo melhor seria
com mão e mão envergonhadas


*No Chile, o povo chama ao pão de "cara de Deus"

Ausência

(Tala, 1938)


Se vai de ti meu corpo gota a gota.
Se vai minha cara no óleo surdo;
Se vão minhas mãos em mercúrio solto;
Se vão meus pés em dois tempos de pó.
Se vai minha voz, que te fazia sino
fechada a quanto não somos nós.
Se vão meus gestos, que se enovelam,
em lanças, diante de teus olhos.
E se te vai o olhar que entrega,
quando te olha, o zimbro e o olmo.
Vou-me de ti com teus mesmos alentos:
como umidade de teu corpo evaporo.
Vou-me de ti com vigília e com sono,
e em tua recordação mais fiel já me borro.
e em tua memória volto como esses
que não nasceram nem em planos nem em bosques
Sangue
seria e me fosse nas palmas
de teu trabalho e em tua boca de sumo.
Tua entranha fosse e seria queimada
em marchas tuas que nunca mais ouço,
e em tua paixão que retumba na noite,
como demência de mares sós.
Se nos vai tudo, se nos vai tudo!


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