segunda-feira, 14 de abril de 2014

Zé Macaco



João Vicente da Cunha e seu equipamento de rádio falso, “transmitindo” evento a partir das areias do Gonzaga, em 1960. Foto: Zezinho Herrera.

(Você já viu muito isso na TV)

O “Zé Macaco” era um termo muito usado pela turma de repórteres de campo para homenagear o criador da peripécia radiofônica. A traquinagem consistia de uma lata de óleo de cozinha coberta por verniz, uma antena de rádio de carro e uma “redinha de arame”, ou seja, um microfone perfeito. Igual ao das emissoras mais ouvidas na época. O “falso repórter” saía então à cata de eventos e solenidades para, misturando-se à imprensa, fazer parte das manchetes de jornais e revistas. Portanto, numa entrevista coletiva, lá estava o Zé Macaco. Porém jamais se descobrira a que emissora ele pertencia. Essa estratégia de merchandising é usada até hoje, pois, quando assistimos a uma entrevista coletiva na TV, não significa que todos aqueles microfones com os logotipos das emissoras estejam conectados. O mesmo vale para uma foto de jornal ou revista. Aliás, o objetivo número um do Zé Macaco era aparecer. Cabe dizer que o autor do maquinário morava em Santos e chegou a ser vereador da cidade, certa vez entrevistando Jânio Quadros, na época Presidente da República.

(Do livro “Um show de rádio - a vida de Estevam Sangirardi”,
de Carlos Coraúcci)

Observação:

A TV Globo está, ao vivo, entrevistando um político em Brasília para todo o país no Jornal Nacional, assistido por milhões de telespectadores em todo o território brasileiro, dezenas de microfones de emissora regionais, como o gravador da RBS, estão na boca do entrevistado: tudo desligado, tudo Zé Macaco...

ZÉ MACACO - João Vicente Saldanha da Cunha foi o segundo vereador mais votado na história de Santos alcançando 10.913 sufrágios, só perdendo para José Gonçalves, que obteve 11.822 votos.

Nascido em Vitória da Bahia e desde os 15 anos em Santos, Zé Macaco foi quem melhor personificou o político do chamado voto de protesto. Com pouca instrução, ganhou notoriedade fazendo entrevistas, quase todas em campos de futebol. Na verdade, este era seu hobby: ele não era repórter, usava uma lata de alumínio adaptada. Só poucos entrevistados descobriram este esquema.  Zé Macaco foi ganhando fama fazendo propaganda na porta de lojas, mas não se limitava à forma tradicional de chamar a atenção. Usava perna-de-pau, engolia vidros e moedas e depois os fazia voltar. Aposentou-se da Câmara por invalidez, pois ficou com artrose na perna esquerda, depois de um acidente automobilístico. João Vicente Cunha faleceu aos 73 anos e deixa o filho Marcos. Seu sepultamento ocorreu no Cemitério de São Vicente.

Histórias & Estórias

Amílcar Ferrão Pinto

Toda cidade e mesmo todo bairro têm os seus personagens exóticos, folclóricos, que vivem à margem do mundo dito normal, ensandecidos pela vida ou marcados desde o nascimento para um destino inexplicável. O jornalista Olavo Rodrigues discorreu sobre muitos desses tipos populares que existiram em Santos em várias épocas: Camarinha, Guari, Mata-Cobras, Trinta Quilos, João das Ostras... O escritor Nélson Salasar Marques mencionou um indivíduo insólito do Bairro Chinês: o temido Foge-Chico. Recordo-me de algumas dessas figuras que passaram pelo bairro da infância. Maria Sapa foi uma delas, mas sua imagem me surge enevoada, apagada pela distância do tempo. O jurista Mário Faria dedicou enternecedor soneto a essa estranha criatura que perambulava pelas ruas de Santos.

Recentemente ainda se via o Zé Macaco. Muito magro, braços compridos, andar desengonçado, roupas bizarras, puxava um carrinho com um alto-falante num volume ensurdecedor e, em meio a apitos e chiados, matraqueava anúncios de casas comerciais. Quando reclamavam do ruído infernal de sua engenhoca, dizia: “Quem não gosta de barulho que vá morar no cemitério!” À noite, Zé Macaco demonstrava seus dotes de dançarino no tradicional “Samba Danças”, da Rua General Câmara. Também gostava de imitar locutor de rádio e fingia fazer reportagens em jogos de futebol e visitas de pessoas importantes. Dizem que uma vez chegou a “entrevistar” o então Presidente da República, Marechal Castelo Branco, que seriamente respondia às perguntas do Zé Macaco sem desconfiar que falava a uma lata de azeite disfarçada de microfone! Muito popular, chegou a ser eleito vereador em Santos. E o mais votado!


Zé Macaco

2 comentários:

  1. Parabéns pelo blog Nilo. Muito interessante.Obrigado pelo crédito ao meu livro. Um abraço.

    Carlos Coraúcci

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    1. E parabéns a você também pelo belo trabalho de pesquisa de seu livro, contando fatos do tempo glorioso do rádio.

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