“Primeiro, veio a chuva; depois, a fúria dos rios, que violou domicílios e estabelecimentos. Uma enchente de 22 dias quebrou a rotina da cidade de forma violenta, espalhando pânico e desespero. Cerca de 70 mil pessoas deixaram suas casas. Muitas tiveram que recomeçar do zero. Mais de 600 empresas demoraram meses para reabrir. Muitas não conseguiram. ...o que aconteceu durante os meses de abril e maio de 1941, quando Porto Alegre viveu a maior catástrofe da sua história.”
Do livro “A Enchente
de 41” , de
Rafael Guimaraens, Libretos
A enchente em versos populares
Vítima da enchente, o flagelado
Homero Simões, morador da Avenida Bahia, deixou seu testamento em versos que ele
próprio mandou imprimir num livreto de 12 páginas, com o título: A História da grande enchente em Porto Alegre. Estes são alguns versos*:
* Muito ruins, por sinal, com
muitos erros gramaticais, mas inspirados na dor daquele dramático momento.
Vou relatar em versos
Feito por um flagelado
As águas destra vez,
Nos deixaram em triste estado
Mas as águas desta vez
Foi uma grande tristeza,
Foi em geral a pobreza
Que ficaram sem os tetos
Roubados pela correnteza
Quando escapei do meu lar
Me fugiram as alegrias
Passaram dias sombrios
Nem o sol aparecia
Mas encontramos um pai
O sr. Cordeiro de Farias
Maridos perdidos das famílias
E mulheres também dos maridos
Fugiam também loucamente
Sem botarem nos sentidos
Só se viam muitas lágrimas
Até dos que não tinha sofrido
Quando fugi de casa
Com grande mágoa e dor
Para mim foi um grande horror
Deixar minha moradia
Que era um sonho de amor...
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Coisa ruim é uma enchente
Não tem coração nem sentimento
Quando vem devora tudo
Só deixa é sofrimento
E quando chegamos em casa
Encontrei tudo virado
O que era madeira
Ficaram tudo estragado
Os móveis que eu tinha
Poucos foram aproveitados
E quando fomos deitar
Nos faltou até colchão
Tudo ficou estragado
Com a grande inundação
Assim passamos umas noites
Dormindo no puro chão
Muita gente já tinha ido
De volta para seu lar
E com o crescimento da águas
Tiveram que disparar
Limparam bem suas casas
Mas não puderam ocupar
Ninguém se conformava
Da cruel e grande enchente
Os que perderam o que tinham
Ficaram até muito doentes
Ninguém esperava as águas
Que desceram de repente...
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Abobados da enchente
A partir das cheias de 1941, surgiu,
no vocabulário popular, a expressão jocosa “abobado da enchente”, largamente
empregada nas décadas posteriores como desaforo em briga juvenis. Sua origem
não é precisa, mas, provavelmente, decorra do surto de leptospirose ou espiroquetose
icterícia, causada pela exposição das pessoas à água contaminada por
dejetos de ratos, em função da enchente. O termo “espirocado”, aliás, é usado
vulgarmente como sinônimo de “apalermado” ou “abobado”, pelo estado de
prostração que se abate sobre o doente. Entre os sintomas da moléstia estão
calafrios, febre, alta, urina escura e, na fase mais grave, hemorragia em
vários órgãos, que pode levar à morte.
Nos 45 casos de leptospirose
comprovados clinicamente em
Porto Alegre , naquela época, ficou constatado que 37 pacientes
estiveram em contato direto com a água contaminada. Cinco pessoas morreram. Foi
a maior epidemia vista na América Latina até então e só não atingiu proporções
maiores porque o Departamento Estadual de Saúde iniciou um trabalho de
esclarecimento da população para que evitassem contato direto com as águas da
enchente e uma campanha de combate aos ratos.
Fotos
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