domingo, 11 de maio de 2014

A enchente de 1941

          

“Primeiro, veio a chuva; depois, a fúria dos rios, que violou domicílios e estabelecimentos. Uma enchente de 22 dias quebrou a rotina da cidade de forma violenta, espalhando pânico e desespero. Cerca de 70 mil pessoas deixaram suas casas. Muitas tiveram que recomeçar do zero. Mais de 600 empresas demoraram meses para reabrir. Muitas não conseguiram. ...o que aconteceu durante os meses de abril e maio de 1941, quando Porto Alegre viveu a maior catástrofe da sua história.”

Do livro “A Enchente de 41”, de Rafael Guimaraens, Libretos


A enchente em versos populares

Vítima da enchente, o flagelado Homero Simões, morador da Avenida Bahia, deixou seu testamento em versos que ele próprio mandou imprimir num livreto de 12 páginas, com o título: A História da grande enchente em Porto Alegre. Estes são alguns versos*:

* Muito ruins, por sinal, com muitos erros gramaticais, mas inspirados na dor daquele dramático momento.

Vou relatar em versos
Feito por um flagelado
As águas destra vez,
Nos deixaram em triste estado

Mas as águas desta vez
Foi uma grande tristeza,
Foi em geral a pobreza
Que ficaram sem os tetos
Roubados pela correnteza


Quando escapei do meu lar
Me fugiram as alegrias
Passaram dias sombrios
Nem o sol aparecia
Mas encontramos um pai
O sr. Cordeiro de Farias

Maridos perdidos das famílias
E mulheres também dos maridos
Fugiam também loucamente
Sem botarem nos sentidos
Só se viam muitas lágrimas
Até dos que não tinha sofrido

Quando fugi de casa
Com grande mágoa e dor
Para mim foi um grande horror
Deixar minha moradia
Que era um sonho de amor...
Coisa ruim é uma enchente
Não tem coração nem sentimento
Quando vem devora tudo
Só deixa é sofrimento

E quando chegamos em casa
Encontrei tudo virado
O que era madeira
Ficaram tudo estragado
Os móveis que eu tinha
Poucos foram aproveitados

E quando fomos deitar
Nos faltou até colchão
Tudo ficou estragado
Com a grande inundação
Assim passamos umas noites
Dormindo no puro chão

Muita gente já tinha ido
De volta para seu lar
E com o crescimento da águas
Tiveram que disparar
Limparam bem suas casas
Mas não puderam ocupar

Ninguém se conformava
Da cruel e grande enchente
Os que perderam o que tinham
Ficaram até muito doentes
Ninguém esperava as águas
Que desceram de repente...


Abobados da enchente

A partir das cheias de 1941, surgiu, no vocabulário popular, a expressão jocosa “abobado da enchente”, largamente empregada nas décadas posteriores como desaforo em briga juvenis. Sua origem não é precisa, mas, provavelmente, decorra do surto de leptospirose ou espiroquetose icterícia, causada pela exposição das pessoas à água contaminada por dejetos de ratos, em função da enchente. O termo “espirocado”, aliás, é usado vulgarmente como sinônimo de “apalermado” ou “abobado”, pelo estado de prostração que se abate sobre o doente. Entre os sintomas da moléstia estão calafrios, febre, alta, urina escura e, na fase mais grave, hemorragia em vários órgãos, que pode levar à morte.

Nos 45 casos de leptospirose comprovados clinicamente em Porto Alegre, naquela época, ficou constatado que 37 pacientes estiveram em contato direto com a água contaminada. Cinco pessoas morreram. Foi a maior epidemia vista na América Latina até então e só não atingiu proporções maiores porque o Departamento Estadual de Saúde iniciou um trabalho de esclarecimento da população para que evitassem contato direto com as águas da enchente e uma campanha de combate aos ratos.

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