Fernanda
Pugliero
Antiga Rua do
Arvoredo, hoje Fernando Machado.
A casa de Ramos
ficava nos fundos do antigo Palácio do Governo
– substituído anos
depois pelo atual Palácio Piratini.
Um dos maiores mistérios de Porto
Alegre completou 150 anos na última sexta-feira, 18 de abril de 2014. A história do
açougueiro (1) que teria matado
homens e os vendido em forma de linguiça até hoje continua viva como uma das
mais conhecidas lendas urbanas da Capital. José Ramos, filho de imigrantes
alemães, oriundo de Santa Catarina, foi preso pela Polícia no dia 18 de abril
de 1894, após serem encontrados três corpos – um já em estado avançado de
decomposição – em sua casa.
Ele vivia na Rua do Arvoredo,
hoje chamada de Fernando Machado, no Centro. Sua companheira, Catarina Palsen (2), imigrante húngara, foi acusada de
ser cúmplice dos assassinatos. Os dois foram julgados e condenados à prisão.
Ramos acabou morrendo cego ainda
preso. Catarina ficou reclusa por 13 anos. Depois de solta passou a perambular
pelas ruas da cidade vendendo vassouras sem cabo e acusando os habitantes de
canibalismo. Morreu de Câncer por volta de 1920.
Verdade ou lenda, fato é que a
história da cidade forçada ao canibalismo por consumir as famosas linguiças do
açougue de Ramos (3) se perpetuou
por gerações. O caso, que abalou a sociedade porto-alegrense na época,
repercutiu na mídia local e internacional. O jornal O Mercantil, que circulou em Porto Alegre de 1849 a 1865, publicou pelos
menos três reportagens sobre o caso, relatando a descoberta dos crimes, os
primeiros interrogatórios e o tumulto da população, que se revoltou ao cogitar
a possibilidade de ter cometido canibalismo e queria linchar o casal em praça
pública. A notícia se espalhou também em jornais do Uruguai, da França e da
Alemanha.
No livro “Porto Alegre Ano a
Ano”, o historiador, jornalista e advogado Sérgio da Costa Franco diz que o
desaparecimento de um comerciante e seu empregado levaram a Polícia a efetuar
diligências na casa de Ramos, que ficava nos fundos do antigo Palácio do
Governo – substituído anos depois pelo atual Palácio Piratini. “Na busca
oficial, realizada pelo chefe de Polícia Dário Callado, em 18 de abril,
descobriram-se, em um poço do quintal, os cadáveres do comerciante Januário
Martins Ramos da Silva e de seu caixeiro José Inácio de Souza Ávila”, conta
Franco. No porão da casa, onde teriam sido mortos os homens depois
transformados em linguiça, foi descoberto o corpo do açougueiro alemão Carlos
Klaussner, (4) sócio de Ramos no
negócio.
O autor, que já leu diversos
livros e pesquisas sobre o tema, descarta totalmente a ideia de que os
porto-alegrenses tenham consumido carne humana. “Nunca se fez linguiça de
gente. Basta ver os corpos que foram encontrados na casa e outros cadáveres que
foram achados depois, fora da casa. Ramos matava para roubar”, afirma Franco.
Segundo ele, a lenda surgiu por
causa do ofício de Ramos. (5) “Morreu
gente na casa dele, e as pessoas saíram falando que as lingüiças vendidas no
açougue (6) eram de carne humana.”
Nunca se soube ao certo se Ramos
matava as vítimas para fazer linguiça ou para roubá-las. Apesar de apenas três
cadáveres terem sido localizados dentro da residência, a lenda diz que Catarina
seduzia forasteiros – cujo desaparecimento passaria despercebido – até a sua
casa. Esses homens eram golpeados com uma machadinha por Ramos. Segundo a
historiadora Sandra Pesavento, que morreu em 2009, Catarina era conhecida como
“Come gente”.
Em “O Maior Crime da Terra”, o
historiador e jornalista Décio Freitas, falecido em 2004, afirma que nunca
houve um açougue em Porto
Alegre que teria vendido carne humana. Segundo ele, a
história surgiu a partir de rumores populares, grande parte fruto do
ressentimento dos luso-brasileiros contra os imigrantes alemães, que começaram
a desembarcar no Rio Grande do Sul no início do século XIX. Freitas questiona o
fato de que não seria fácil desossar um corpo humano para fazer linguiças e que
não haveria tecnologia na época para tanto. Ele questiona ainda o que teria
acontecido com os ossos das vítimas. Para Franco, que era amigo de Freitas, o
autor exagerou em denominar o caso da Rua do Arvoredo de “o maior crime da
Terra”. “O Décio (Freitas) era meu amigo, mas em matéria de história ele era
ruim e escreveu bobagem. Ele misturava ficção com história. Quis fazer um
romance com o caso e exagerou”, aponta.
Para Franco, a obra definitiva
sobre o caso é “História Devorada”, do historiador e professor da Unisinos
Cláudio Pereira Elmir, publicada 2004. No livro, Elmir relata a história dos
crimes cometidos por Ramos em 1863 e 1864, acompanhando seu deslocamento. A
partir de documentos históricos e do inquérito policial do caso, o autor monta
um quebra-cabeça sobre o que teria acontecido na Rua do Arvoredo. Ele leva a
entender que descarta a hipótese da existência de lingüiças de carne humana,
reproduzindo escritos da época.
Os assassinatos cometidos por
Ramos (7) e Catarina – que, alguns
dizem, apenas seduzia os homens, testemunhou suas mortes e limpou o sangue que
sujou o piso da casa – foram descobertos graças a um cão. O menino caixeiro, última
vítima do açougueiro, tinha um animal, que não deu sossego à Rua do Arvoredo
desde que o dono entrou na casa do casal – e não saiu. Vizinhos chamaram a
Polícia, que acabou descobrindo os cadáveres.
(Correio do Povo de
21.04.2014)
Notas numeradas:
(1) Ele não era açougueiro e, sim, informante ligado ao
chefe de Polícia;
(2) Palse no inquérito;
(3) Ele não tinha açougue, quem tinha era Carlos
Klaussner, que sabia dos crimes, por isso foi assassinado;
(4) Este, sim, era açougueiro, estabelecido na Rua da
Ponte, atual Rua Riachuelo;
(5) Referido no item 1;
(6) Klaussner seria a pessoa que descartava os ossos
das vítimas, mas não há certeza disso;
(7) José Ramos faleceu na Santa Casa de
Misericórdia em 1º de agosto de 1893.
Final
A principal fonte sobre os crimes
de José Ramos está nos três processos judiciais instaurados. O primeiro processo,
referente ao assassinato de Januário e seu caixeiro, já havia desaparecido do
Arquivo Público do Estado em 1948 e dele não se conhece nenhuma cópia. O
segundo processo, sobre o assassinato do açougueiro Klaussner, pode ser
encontrado no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul e foi transcrito na
publicação Os crimes da rua do Arvoredo (Porto Alegre, 1993). O terceiro
processo, que versa sobre o assassinato de seis pessoas e a fabricação de
linguiça de carne humana, desapareceu do Arquivo Público do Estado depois de
1948. No Arquivo Nacional, há cópias do segundo e do terceiro processos.
Os
personagens
Carlos Klaussner não chega ser um personagem relevante
dessa história, contudo, foi uma das ultimas vitimas de Ramos, isso porque não
lhe assegurava mais o álibi e a certeza da impunidade. Klaussner era
proprietário de um açougue situado na Rua da Ponte, atrás a igreja das Dores.
O Chefe de Polícia, Dr. Dario Rafael Callado, homem
influente da Província de São Pedro, teve papel destacado nos fatos sucedidos
na Rua do Arvoredo, já que, José Ramos era um de seus homens de confiança,
subvencionado para trabalhar em missões secretas. Ramos espreitava algumas
pessoas, especialmente, políticos, por determinação do Chefe de Polícia.
Catarina Palse, esposa de Jose Ramos, não é menos
importante, pois foi sua cúmplice, seja por atrair as vitimas para sua
residência ou, simplesmente, pela omissão, acobertando os crimes do marido.
Catarina tinha origem Húngara, mas era etnicamente alemã, em razão de fazer
parte de uma minoria alemã que povoou o território da Transilvânia que
posteriormente constituiu aquele País. Filha de artesão, de família pobre,
morava em uma aldeia com os pais e dois irmãos.
José Ramos é, sem sombra de dúvidas, o principal
elemento dessa espantosa história sobre os crimes hediondos que abalaram os
distintos provincianos porto-alegrenses do século XIX. Diz-se de Ramos que era
um sujeito mestiço claro, olhos enormes, voz sinistra, barba rala, alto e de
extraordinária força física e sempre exageradamente perfumado. Vestia-se de
maneira impecável e possuía razoável nível de instrução. Homem religioso e
sensível, ramos ia à missa, e demonstrava grande interesse pelas artes. Gostava
de ler poesias e, sobretudo, tinha na musica a maior de suas predileções. José
Ramos era conhecido frequentadores do Teatro São Pedro ante a sua assiduidade
aos espetáculos daquela casa.
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