segunda-feira, 12 de maio de 2014

Alto da Bronze

Athos Damasceno Ferreira


Gravura da antiga Porto Alegre
(João Faria Viana)

Que é daqueles lampiões
que espiavam de dentro do tufo das árvores velhas
o ingênuo colóquio dos noivos
nas salas das casas fronteiras à praça?...

As crianças brincavam de roda na rua risonha
que foi o princípio da linda cidade açoriana...

De cima – as estrelas botavam reflexos vagos nos vidros
dos graves sobrados
com largas portadas e muros cobertos de heras...

Debaixo – os humildes e tristes casebres
erguiam, medrosos, os olhos vazios das janelas
até a nobreza doa altos beirais solarengos...

E via as crianças brincando de roda.
E via o ingênuo colóquio dos noivos
que eram vigiados
cuidados
olhados
por todos os lados...

E via que, às vezes, cruzavam a praça deserta
senhores austeros, com fraques de alpaca e calças balão...
Diziam que eram maçons,
- senhores de alta linhagem
que vinham de estranhos congressos,
falavam baixinho
e viam mistérios em todos os cantos...
Depois – se perdiam nos ângulos rasos das ruas...

Agora, o silêncio me diz tanta coisa,
me dá a presença amorosa de tantos destinos ausentes!...

Na praça deserta
as árvores velhas se encolhem na sombra,
as folhas cochicham...

E no fundo esbatido do céu de cinza
as torres da Igreja das Dores
assistem e velam o sono cristão da cidade...

 (De “Poemas da Minha Cidade”, Edição da Livraria do Globo, Porto Alegre, 1944)

* No local existiu uma senhora negra e macumbeira chamada Felizarda. Segundo Achiles Porto Alegre “Ela morava numa casinha de porta e janela, trepado num barranco da praça, que ficava ao lado do riacho. Era um verdadeiro tipo de china, e daí veio o apelido expressivo de Bronze. Não sei se teria tido meios virtuosos de vida; sua existência, porém, que conste, não era escandalosa. Vivia talvez de fazer mandingas, de engazopar com benzeduras e engrimanço as pobres mulheres que faziam comércio do corpo,  como a quase sua contemporânea dona Flor, que morava em frente à cadeia, há 40 anos.”

Outra versão do apelido

“... era conhecida, não sei quê de Bronze, e que por decência só era chamada Bronze (o Senador Mem de Sá, em suas memórias, refere que seria “Cu de Bronze” o apelido inteiro), nome que foi dado àquele lugar por ser ela a figura mais notável do bairro”. (Antigualhas, Coleção ERUS).

É interessante caminhar pela região e imaginar o que acontecia por ali na época. Detalhe: desde 1833 a região aparece como referência nas atas da Câmara Municipal como “Alto da Bronze”, até 1866, quando o local deixou de ser domínio privado, passando a ser a atual Praça General Osório.

A música feita para a praça

Letra de Plauto de Azambuja Soares (Foquinha)
Música de Paulo Coelho

Alto da Bronze,
cabeça quebrada, praça querida.
Sempre lembrada,
a Praça 11 da molecada
Praça sem banco,
do rato branco e do futebol
Da garotada endiabrada das manhãs de sol
És a eterna lembrança
Do tempo feliz em que eu era criança
Tempo em que essa era da minha infância a grande quimera
Hoje, eu, pobre profano, me lembro de ti e dos meus desenganos
Oh, meu Alto da Bronze dos meus oitos anos…


Praça do Alto da Bronze em foto de 1930
ainda com o antigo chafariz


Crianças brincando na praça


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