Caboclo quando dá pra ficar de mal
com alguma pessoa, é bom a gente sair de perto. Ô raça pra ficar enjirizada à
toa, à toa. Eu até me lembro de um cumpadi lá da minha terra que ficou sem
falar com outro cumpadi lá dele mais ou menos uns 20 anos. Pois não é que de
repente o outro cai doente, médico na cabecêra da cama e outros babados, aquela
preocupação da família com a gravidade da doença... E não é que o outro
cumpadi, o tal que guardou tanta raiva por tanto tempo, teve num relance a
coragem de visitar o dito cujo.
Pois não é também que, depois de sair
do quarto do enfermo, chamou o médico de plantão, do lado de fora pra falar
baixinho no seu ouvido, assim: “Ô, doutor? Haverá perigo dele escapar?”
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Pois um caboclo casado brigou com
dois irmãos da mulher lá dele. Dois cunhados. E vai daqui, vai dali, já fazia
bem uns 5 anos de rusga. Dizia ele que não podia nem olhar pra cara de um
deles. Um se chamava João e o outro era Antonho.
Eis que, um belo dia, o tal cumpadi rancoroso cai de cama e fica vão não
vai. Morre não morre. Pra surpresa da mulher lá dele, de repente o dito cujo
pede pra esposa ir correndo chamar os dois desafetos. Os irmãos dela. O João e
o Antonho.
A mulher vibra radiante, embora o momento
fosse de dor, pois o marido tava desenganado e ela achou que, com esse pedido,
o mesmo quisesse perdoar os seus dois irmãos e, assim, partir em paz pra última
morada. Tenho que lembrar que essas desavenças na família eram o maior desgosto
da comadre.
Bom. Diante desse pedido do
moribundo, a esposa saiu correndo e foi bater à porta da casa onde moravam os
seus irmãos, João e Antonho. E ela pede entre lágrimas: “João! Antonho! O Zé
qué cunversá cum vancês antes de embarcá. Vamu lá em casa, pelo amor de Deus.
Vamu fazê esse úrtimo pedido do meu marido. Ele qué perdoá ocêis pru causa
dessa desavença antiga. Vamu lá! “
Os dois irmãos, meio a contragosto –
pois também tinham aquele rancor guardado nos peitos -, diante de tanta
insistência da irmã chorosa e preste a ficar viúva, resolvem atender ao pedido
de quem já estava mais pra lá do que pra cá.
A cena seguinte, que foi a cena do
reencontro, se deu no quarto do moribundo, e foi assim:
Moribundo -
João? Chega pra cá. Vem aqui do meu lado esquerdo. Bem pertinho de mim.
Antonho? Ocê tomêm. Chega pra cá pro meu outro lado da cama. Bem pertinho de
mim tomêm.
João e Antonho se aproximam, um de um
lado da cama e o outro do outro lado.
Moribundo (quando os dois
estão colocados) -
Eu quero morrê quiném Jesus: Um ladrão de cada lado.
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(Do livro “Contando
Causos”, de Rolando Boldrin)
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