Contrabando
em Aceguá
Até parece que seu Goya tinha
posto goma arábica nas almofadas. Não saía do cargo nem puxado por cinco juntas
de bois.
A impressão que se tinha era de
que, se o homem nascesse de novo, já nos cueiros seria fiscal aduaneiro.
Viesse chuva ou sol aberto, seu
posto era ali, na fronteira com
a Banda Oriental del Uruguay.
Com seus óculos tão espessos que
pareciam fundo de garrafa, lá estava ele, com sua autoridade que, sem ser
insolente, impunha respeito.
Mas acontece que, na dança dos
câmbios, o contrabando andava “livre, leve e solto”.
Numa noite em que a lua fora
visitar seus parentes em outras cercanias e não havia, nos céus, uma única
estrela para alumiar os passos de São Genaro, protetor dos contrabandistas,
vinha pela carreteira de Melo uma caminhonete Chevrolet da mais alta suspeição.
Ao se aproximar da linha divisória,
seu Goya fez valsear sua lanterninha, que mais parecia um bando de vaga-lumes
em saracoteios.
Três uruguaios levavam, no banco
traseiro, uma ovelha de contrabando.
Ao sentirem o perigo,
Tertuliano, Paquito e Caballero, mais do que depressa, cobriram a ovelha com o
poncho lanudo e enfiaram os óculos no ovino passageiro.
Seu Goya alumiou o interior da
condução.
- Lo que se pasa, paisanos?
- Nosotros estamos llevando
nuestra tia
Mercedes para el hospital de Bagé. Es cosa urgente, señor.
- Pasen, muchachos, pasen –
disse o velho fiscal.
Ao voltar para a cabine onde
Esteban se espreguiçava ante uma Norteña vazia, comentou Seu Goya:
- A la pucha, que cara de oveja tiene esta tal
Doña Mercedita!
Valente,
pero no mucho
Ah, se tivesse a valentia que
propalava, valeria por um batalhão. Na rua era cervo, em casa, leão.
Abria o berro e o cachorro se
escondia embaixo do fogão.
Dona Everalda andava sempre de
cabeça baixa, pisando em ovos.
As gurias, então, nem se fala.
Só levantavam os olhos nos ofícios de reza, ante a imagem da Virgem Santíssima.
Quando o homem saía de casa, a
família timidamente recomendava: se o senhor espirrar, saúde!
Mas naquela tarde, esse tal de
Ambrósio Monte botou a questão a limpo. Quem pode, pode. Quem não pode,
obedece.
Lá na rua uma gritaria, um
pega-pega.
Dona Everalda rompe as fraldas
do silêncio e corre pela casa gritando:
- Valha-me Deus, estão
surrando o baixinho, cruz-credo, Virgem Maria!
- Não vai ser assim – disse
o Ambrósio. E arremangou a camisa, inflou o peito e foi para o combate.
A filharada e os empregados
formavam uma torcida atrás das persianas de guilhotina.
Não demorou muito, já estava o
guerreiro de volta.
Esbaforido, exclamava:
- Não foi fácil demolir
aquele baixinho metido a valente. Onde é que se viu se meter com gente grande!
Levou o que merecia. Agora ele sabe o valor dos homens de respeito. E que sirva
de exemplo para os desta casa. Valentia não se compra em farmácia – resmungava
triunfante Seu Ambrósio, dando uns passos de gavião entre a sala e o quarto das
moças.
(Do livro “O
Cavalo Verde”, de Luiz Coronel)
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