Getúlio Vargas por Brito
Þ
Quando os jornais noticiaram, logo depois de 30, a possibilidade de os
Estado Unidos penhorarem o ouro brasileiro depositado lá, para pagamento da
nossa dívida externa, Getúlio ficou irritadíssimo. Chega um amigo de Nova York
e vai conversar com ele:
- Getúlio, tu precisas ir lá. Os Estados Unidos excedem
em tudo que possa imaginar. Nova York é uma cidade ciclópica e tentacular,
alguma coisa de inacreditável pela grandeza, pelo progresso.
Getúlio ouvia em silêncio, charuto na boca:
- Nada disso. O cérebro deles é de cimento, chiclete e
matéria plástica.
E nunca foi lá. Quando, na guerra, Franklin
Roosevelt quis conversar com ele, teve de vir ao Brasil, de cadeira de rodas.
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Þ Às vésperas do dia 24 de
agosto de 1954, quando se matou para impedir que 64 fosse antecipado em dez
anos, conversava uma noite, desalentado, com José Américo de Almeida, seu
Ministro de Viação, e lhe diz:
- Impossível governar este país. os homens de verdadeiro
espírito público vão escasseando cada vez mais.
- Presidente, o que é que o senhor acha dos homens de seu
governo?
- A metade não capaz de nada e a outra metade é capaz de
tudo.
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Þ Um amigo criticava
Ricardo Jafet (cunhado de Paulo Maluf):
- Presidente, nos primeiros
encontros, no início da campanha eleitoral, Jafet parecia o homem mais
desinteressado do mundo. não pedia nada em troca de sua ajuda. Cansava-se de
dizer que era apenas um admirador e lutava como patriota pela volta do senhor ao
poder. Depois, quando o senhor lhe entregou o Banco do Brasil, ele revelou seus
verdadeiros intuitos.
- Eu sempre desconfio muito daqueles que nunca me pedem
nada. Os que sentam à mesa sem apetite são os que mais comem.
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Þ
Quando Osvaldo Aranha era ministro da Fazenda. e João Goulart, do Trabalho do
segundo governo Vargas, os dois eram candidatos à presidência da República.
Aranha foi a Getúlio.
- Tu me garantiste que eu seria o candidato à tua
sucessão.
- E és, Osvaldo. não duvides de minha palavra.
- Mas o Jango ainda há pouco me garantiu que tu deste tua
palavra a ele e que ele será o teu candidato. afinal, eu ou ele?
- Os dois Osvaldo. Os dois. Não sei desgostar os meus
amigos
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Þ No dia 23 de agosto de
54, véspera do suicídio, Benjamim Vargas, o irmão, vai ao catete e começa uma
longa conversa, analisando os quase quatro anos do segundo governo e o
crescimento da crise política. Getúlio ouvia de olhos fechados, charuto na
boca. Tira o charuto, enrola a fumaça.
-
Bejo, e sabia de tudo. Sempre soube de tudo. Só não adivinhei o resto.
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Þ
Uma mulher chegou perto de Getúlio, chorando:
-
Presidente, meu marido morreu. estou precisando de um emprego.
- Como
é que ele deixou a senhora e os filhos?
- Muito mal, presidente. Trabalhou a vida inteira,
nunca pediu nada a ninguém, e deixou tudo o que tinha pata o IAPC (Era o INPS
dos comerciários).
- O
que ele deixou para o IAPC?
- Onze
filhos, presidente. Todos menores, morrendo de fome.
Deu o emprego.
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Þ
Catulo da Paixão Cearense, o grande poeta popular, vivia quase na miséria, lá
no subúrbio do Méier, no Rio. Getúlio soube, mandou dar um emprego. Nomearam-no
datilógrafo de terceira categoria, com 300 mil réis mensais. Catulo foi ao
catete agradecer a Getúlio:
- Muito obrigado, presidente, pelo emprego, mas o diabo é
que não sei escrever à máquina.
- Tudo se arranja. Você, por enquanto, só vá à repartição
para assinar o ponto. Eu vou lhe oferecer uma máquina de escrever para ir
praticando em casa. Tem
preferência por alguma? Que tipo prefere?
- Preferir mesmo, presidente, prefiro é uma Singer. Uma
Singer serve mais, presidente.
Era máquina de costura.
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Þ Era presidente, Amaral
Peixoto, genro, governador do Estado do Rio. A oposição vivia dizendo que o
Estado estava abandonado, estradas péssimas e Amaral só pensava em arranjar
voto para o PSD.
Um domingo, Getúlio saiu de carro,
discretamente, só com motorista e ajudante-de-ordem, foi dar uma volta lá.
Chega a um posto de gasolina, em Niterói:
- Qual é a estrada para Campos?
- Tem duas.
- Mas qual é a melhor?
- A que o senhor quiser. Qualquer delas que o senhor
tomar, vai ficar arrependido de não ter tomado a outra.
Getúlio voltou. Já sabia tudo.
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Þ Constituinte de 46, ia
chegando na bancada de imprensa do Palácio Tiradentes, no Rio, Aparício
Torelly, o famoso Barão de Itararé, que o combateu durante todo o Estado Novo.
Cumprimentou:
- És tu o Barão?
- Ex-tubarão é Vossa Excelência.
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Þ Em 37, nomeou o general
Daltro Filho, baiano, interventor do Rio Grande do Sul. Flores da Cunha ficou
indignado, veio ao Rio:
- Que fizeste, Getúlio? Tu és um renegado.
- Ora, Flores, se um gaúcho pode governar o Brasil, por
que um baiano não pode governar o Rio Grande?
(Do livro “Folclore
Político”, de Sebastião Nery)
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