segunda-feira, 12 de maio de 2014

Nicolás Guillén


Camagüey, 1902 - Havana, 1989


Poeta cubano. Representa a poesia negra do seu país. Cultiva a poesia social, bem como a lírica tradicional. Encontra a sua originalidade adaptando o ritmo e a cor tradicionais da poesia negra e afro-antilhana. Os seus versos, de um profundo conteúdo humano e de uma excepcional musicalidade, saem do povo e são dirigidos ao povo. O seu livro mais conhecido é Sóngoro cosongo (1931), no qual canta a beleza negra da sua ilha, afirmando que, ali, uma poesia crioula nunca pode ser considerada perfeita caso se esqueça do negro. Das suas restantes obras, em que exalta os ideais revolucionários do seu país, refere-se Motivos del son, West Indies Limited, Cantos para soldados e sones para turistas, La paloma de vuelo popular, Poemas de amor, etc.

Podes?

Podes vender-me o ar que passa entre teus dedos
E golpeia teu rosto e desalinha teus cabelos?
Talvez possas vender-me cinco moedas de vento?
Ou mais, talvez uma tormenta?
Acaso me venderias ar fino – não todo –
O ar que percorre teu jardim de flor em flor
E sustenta o voo dos pássaros?
Dez moedas de ar fino, me venderias?
O ar gira e passa na asa da mariposa.
Ninguém o possui. Ninguém!

Podes vender-me céu?
Céu azul por vezes, ou cinza, também às vezes,
Uma parte do teu céu, o que compraste, pensas tu,
Com as árvores do teu sítio, como quem compra o teto com a casa?
Podes vender-me um dólar de céu?
Dois quilômetros de céu, um pedaço,
O que puderes, do “teu” céu?
O céu está nas nuvens. Altas passam as nuvens.
Ninguém o possui. Ninguém!

Podes vender-me chuva?
A água que forma tuas lágrimas molha tua língua?
Podes vender-me um dólar de água da fonte?
Um nuvem crespa, me venderias?
Ou, quem sabe, água chovida das montanhas?
Ou água dos charcos, abandonada aos cães?
Ou uma légua de mar, talvez um lago?
A água cai e corre. A água corre. Passa.
Ninguém a possui. Ninguém.

Podes vender-me terra?
A profunda noite das raízes, dentes de dinossauros,
A cauda espessa de longínquos esqueletos?
Podes vender-me selvas já sepultadas, aves mortas,
Peixes de pedra, enxofre dos vulcões,
Milhões e milhões de anos em espiral crescendo?
Podes vender-me terra?
Podes vender-me?
Podes?
A tua terra é terra minha, todos os pés se apoiam nela.
Ninguém a possui. NINGUÉM! 


Um comentário:

  1. Uma obra genial, emocionante. Requer uma reflexão do que estamos produzindo para um mundo mais justo.

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