Ele foi assaltado por três. Trio
musical, de percussão: Colt 45, Smith & Wesson três oitão, Parabellum. Deu
tudo, menos pio, nem olhou a cara dos trabalhadores braçais. Fervorosamente
pediu na hora que Santa Edwiges o acudisse. Contou-me depois, já sobrevivente,
que jamais ouvira falar nessa santa, mas uma súbita mediunidade, um clarão
sobrenatural soprou-lhe o nome da salvadora. Dedicou-lhe uma vela.
Do desastre só lamentava a perda de
um Cartier único, escolhido a dedo, edição limitada, longamente namorado até
que se deu de presente de aniversário. Um rio de ouro.
Dois meses depois, estava
chupetilhando o uísque vespertino na varanda do Hotel Miramar, em Copacabana,
quando se acerca dele um crioulo bem vestido, coberto de joias, simpaticão,
pede uma sorridente licença, tira do bolso um enroladinho de papel de seda.
- Sou da Marinha, doutor.
Acabo de voltar da Europa e como vi que o senhor é uma pessoa distinta e eu não
conheço ninguém aqui no Rio, vim oferecer esta maravilha para o senhor, por uma
pechincha.
Abriu o embrulhinho e exibiu um
esplendoroso Cartier, o que lhe fora expropriado no “ganho”. Pediu para
examinar melhor o relógio, reconheceu os defeitos, comprovou que era mesmo o
dele, elogiou a peça, soube do preço, fez cara de desinteresse, mas segredou ao
visitante:
- Já que você é da Marinha,
pode me quebrar um galho. Sou paulista e só venho ao Rio de carro e desarmado.
Sabe como são as coisas, a gente fica meio indefeso, pode acontecer um enguiço
de noite, sabe como é. Será que tu me arranja uma arma?
O crioulo resplandeceu.
- Mas, doutor! O senhor
está falando com a pessoa indicada! Tenho aqui comigo uma máquina que se não
agradar o doutor dou minha cara a tapa.
- Deixa ver.
- Doutor, aqui não dá. A peça tem volume. O senhor faça o favor de me acompanhar.
- Doutor, aqui não dá. A peça tem volume. O senhor faça o favor de me acompanhar.
Perto dali tinha terreno baldio,
cercado, sem vigia. E para lá foram vendedor e comprador. A arma exibida: uma
pistola 45, privativa das Forças Armadas e Barra Pesada.
- Está carregada? -
perguntou o civil, apreensivo.
- Até a boca, doutor, mas
não se incomode porque, olha aqui, está travada.
Foi a hora. O otário destravou o
canhão, botou uma ameixa na câmara, segurou com as duas mãos e berrou!
- É assalto! É assalto!
Bota a mão na cabeça, nego safado, senão te encho a boca de chumbo!
Repetiu o que ouvira quando vítima,
com a mesma força de expressão. O crioulo ficou cinza-pardo-marinho. Não
conseguiu balbuciar uma única palavra.
- Arreia as calças, tira a
roupa toda! Anda logo, filho da puta!
Fico pensando o que deve ter passado
na cabeça do assaltado nessa hora. Inteiramente aparvalhado, pasmo, sendo
depenado por um caretão da Zona Sul, ele, o terror do Borel. Mas com a boca do
túnel da morte e a disposição miradas bem no meio dos zoim dele, foi tirando
tudo: anel, relógio, carteira, grana, inúmeros documentos, uma obsoleta, mas
ainda providencial Sölingen. Só sobrou um cordão, no pescoço.
- Bota o cordão na trouxa
também!
Aí, o crioulo ajoelhou:
- Companheiro, tu vai
entender. Trabalho no ramo também. Leva essa bagulhada, mas livra o cordão e a
cueca. O cordão é de Santa Edwiges, da minha devoção. Se perco a medalha,
danço.
- Tu trabalha no setor?
O outro fez sim com a cabeça e deu-se
o segundo milagre de Santa Edwiges.
- Então eu livro a santa.
Tira a cueca. Quero ver essa bundoca de fora!
*****
Do livro “300
Histórias do Brasil -
Pequenas Vergonhas”*
de Marcos de Vasconcellos
de Marcos de Vasconcellos
* Histórias
verdadeiras acontecidas no Rio de Janeiro
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