O Clube dos Caçadores na rua Andrade Neves
Quando se conta o que foi o
Cabaré dos Caçadores, a grande maioria afirma ser tudo mania de grandeza de
gaúcho, que nada daquilo realmente existiu, que não passou de mais uma lenda da
vida noturna de Porto Alegre. Mas, tendo vivido durante seis anos de minha
vida, quase todas as estilo, atrações, profissionalismo dos empregados, foi um
dos melhores clubes noturnos que noites, no Caçadores, testemunho com firma
reconhecida de velho boêmio que, como categoria, conheci em todo o mundo.
Durante
a Primeira Guerra Mundial, Luiz Alves de Castro abria em Porto Alegre , mais
precisamente na Rua Nova, depois Andrade Neves, um clube fechado com o nome de
O Fomento. Decoração em estilo inglês, salas de jogo e maravilhoso serviço de
bar e restaurante, era frequentado exclusivamente por sócios selecionados entre
os poderosos e gastadores de então. Lá estavam Nico Chaves, Oswaldo Aranha,
Urbano Garcia, Flores da Cunha, Victor Bastian, Maurício Cardoso e muitos
outros.
Fechado O Fomento, foi aberto em
1921, no mesmo local, o Clube dos Caçadores, também de propriedade de Luiz
Alves de Castro, já conhecido como Capitão Lulu, tendo como sócio o português
José Carvalho.
(...)
Os salões do Caçadores eram todos
revestidos de madeira de lei, de seus tetos pendiam lustres de cristal, suas
mesas cobriam-se com toalhas que combinavam com o estofamento das cadeiras e
das cortinas. Tudo formando um conjunto do maior bom gosto. A sala do cabaré
sugeria um anfiteatro, tendo ao centro uma pista onde se apresentavam os
números de variedades. Uma passagem em forma de túnel ligava o cabaré às salas
de jogo. Em volta da sala central foi construída uma galeria onde ficavam os
luxuosos reservados, para os que faziam questão de ir ao Caçadores, mas que lá
não podiam ser vistos.
O Caçadores tinha a melhor cozinha e
o mais perfeito serviço da cidade: copos de bacará, talheres de prata, Veuve
Clicquot custando cinquenta mil-réis; filé com fritas cinco mil e a cerveja
Oriente, três mil-réis. Não existia couvert,
invenção minha, muito mais tarde, no Rio de Janeiro. Abria às nove da noite e
funcionava até quatro da manhã. As variedades começavam à meia-noite.
As
mesas e grupos dividiam-se um pouco de acordo com a renda per capita dos frequentadores, O grupo dos grandes, com seus
brilhantes nos dedos e reluzentes pegadores de gravata: Maristany e Lulu
Crevelaro, os “reis da banha”, Carlos Difini, Hugo Gertum, Victor Bastian e
José Herculano Machado (pai do autor deste texto), que nunca mais colocou os
pés no Caçadores depois que me encontrou lá pela primeira vez. O grupo que
reunia a preferência das artistas, pois, além do champagne, fazia também farta distribuição de fichas, era formado
por Pedrinho Garcia, Gabriel Pedro Moacyr, Manequinho Martins, Antônio Chaves
Bracellos, Juca Chaves Barcellos, Ênio Terra Lopes e Sebastião Leão. Breno
Caldas, Paixão, Ângelo Pilla, Souza Gomes e o Schneider formavam o grupo dos
simpáticos bem comportados.
Mas a mesa que se divertia com menor
despesa era a nossa. Sabedor que a turma do Machadinho não era de muito gastar,
maître Adelino nos colocava numa mesa
ao lado da orquestra, que ninguém queria devido ao barulho reinante, e lá
passávamos a noite com numa garrafa de Oriente a ser dividida entre Pires do
Rio, Agnelo Martins, Joaquim Macedo, João Pinto, José Guiloso, José Azevedo,
Mário Alípio Cezar, José Leal, eu e os sempre retardatários Rochinha, Sans
Chapeau – o primeiro brasileiro a abolir o uso do chapéu – e Baiano.
Pelas variedades do Caçadores
passaram artistas internacionais. Aplaudimos Lolita Benavente, Theda Diamante,
Maria Montecinos, Las Hermanas Palumbo, Rosita Paraguay, Triana La Negra , Pepita Villalba e
Lulu Provende. Muitas formaram no meu elenco particular. Foram amores a prazo
fixo, porque todas as atrações do Caçadores vinham contratadas por temporada.
Quando esta terminava, mudavam as atrações e, logicamente, as conquistas
recomeçavam.
Era grande a influência exercida pela
Argentina e apesar de dançarmos o charleston,
o Black bottom e até o paso doble, em homenagem às espanholas
das variedades, o que deixava repleta a pista do Caçadores eram “Noche de
Reyes”, “Adiós Muchachos”, “Garufa”, “Sentimiento Gaucho” e “Mi Buenos Aires
Querido”.
Nas mesas de bacará e roleta os
crupiês chamavam os jogadores pelos nomes. Formávamos uma grande família: “Dr.
João Carlos Machado, vai bancar? General, pode tirar. Carta ao ponto! Sr.
Machadinho. Façam o jogo! No ponto e na banca. Feito! Caixa dos empregados,
obrigado, Sr Schneider!”
As mesas ficavam rodeadas pelos
tradicionais “perus”. Certa vez, um deles, na empolgação do jogo, se aproximou
tanto do Flores da Cunha que deixou cair-lhe em cima a cinza do seu cigarro.
Esperávamos alguma reação do general, mas simplesmente chamou um dos groons e pediu-lhe um guarda-chuva, que
ficou aberto sobre a sua cabeça durante o resto da noite! Insólita cena – foi a
primeira vez que alguém jogou usando um guarda-chuva dentro de um cassino.
Coisas de Porto Alegre!
Do livro “Memórias
sem Maquiagem”, de Carlos Machado,
Conhecido como
“Machadinho de Porto Alegre” ,
Carlos Machado, “Machado deLa Mist ”,
Carlos Machado, “Machado de
Machado, “El Rey de La Noche ” e “O Rei da Noite”.
José Carlos Penafiel Machado
16/3/1908 Porto
Alegre, RS
5/1/1992 Rio de
Janeiro, RJ
Rua da Praia antiga:
A seta assinala o local do Beco do Leite
O que ficou do Beco do Mijo
Rua da Praia antiga:
A seta assinala o local do Beco do Leite
O que ficou do Beco do Mijo
Inaugurado em 1926, o prédio de
seis andares, no local do Beco, é hoje o Centro Cultural CEEE Érico Veríssimo. E, apesar
do que conta Reverbel, acabou derrubado pela tradição e a família gaúchas:
apelidado de Palácio das Lágrimas pelos mais conservadores (que choravam de
desespero – desejo? – com tanto laissez-faire), acabou fechado. Seus donos se
mandaram pro Rio e, com o know-how adquirido, fundaram nada menos que o Cassino
da Urca.
Prédio da CEEE, na Rua dos Andradas
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