Padre AntônioVieira
Em que nos distinguimos os vivos
dos mortos?
Os mortos são pó e nós também
somos pó.
Em
que nos distinguimos uns dos outros? Distinguimo-nos os vivos dos mortos, assim
como se distingue o pó do pó.
Os
vivos são pó levantado; os mortos são pó caído; os vivos são pó que anda; os
mortos são pó que jaz.
Estão essas praças no verão
cobertas de pó: dá um pé de vento; levanta-se o pó no ar, e que faz? O que
fazem os vivos e muito vivos.
Não aquieta o pó, nem pode estar
quedo: anda, corre, voa; entra por esta rua, sai por aquela; já vai adiante, já
torna atrás; tudo enche, todo cobre, tudo envolve, tudo perturba, tudo toma,
tudo cega, tudo penetra; em tudo e por tudo se mete, sem aquietar nem sossegar
um momento, enquanto o vento dura.
Acalmou o vento, cai o pó, e
onde o vento parou, ali fica, ou dentro de casa, ou na rua, ou em cima de um
telhado, ou no mar, ou no rio, ou no monte, ou na campanha.
Não é assim? Assim é.
E que pó e que vento é este?
O pó somos nós; o vento é a
nossa vida.
Deu o vento, levanta-se o pó:
parou o vento, caiu.
Deu o vento, eis o pó levantado:
estes são os vivos.
Parou o vento, eis o pó caído:
estes são os mortos.
Os vivos pó, os mortos pó; os
vivos pó levantado, os mortos, pó caído; os vivos pó com vento, e, por isso,
vãos; os mortos sem vento, e, por isso, sem vaidade.
Esta é a distinção e não há
outra.
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