Ela chegou a São Gabriel pelas mãos de um conterrâneo do Uruguai, o
empresário João Boaventura Bragança. Ele se dedicava a intermediar a compra e
venda de terras na fronteira oeste do Estado, no início do século passado e seu
escritório funcionava, em certos casos, também como hotel.
Maria Isabel Hornos não era uma mulher
qualquer. Havia estudado nos melhores colégios de Montevidéu, onde fez um curso de artes cênicas.
Lia muito, falava bem o português, veio com o título de artista e o apelido de
Guapa, por ser decidida e arrojada.
Bonita, charmosa, insinuante, é dada a poucos e caros amores. Desejada
por todos os homens da cidade, logo ela instala uma casa com belas e elegantes
mulheres. Um cabaré, ou bordel.
Autoridades e figuras importantes procuram-na para ouvi-la: torna-se
confidente e conselheira. Somente até as 22h, quando abre as portas da casa
noturna.
Pouco transita pelas ruas, e quando o faz, é cercada por crianças e
gente do povo. Às primeiras, distribui balas e chocolate; para os mais pobres,
dinheiro, remédios, presentes.
Assim tão popular, não é aceita pelas mulheres dos fazendeiros,
invejosas de sua juventude, elegância e luxo.
Noite quente do Carnaval de 1924. Maria Isabel está à frente do
toucador. Janelas abertas, aperfeiçoa e retoca o novo desenho do rosto. A
tonalidade clara da sua pele dá lugar à maquiagem forte do ocre indígena. Está
pronta para o grande baile, o salão do cabaré vai estar repleto.
Sempre envolta em tecidos e joias importadas, agora ela desaba, quase
nua, fantasiada de índia apache. Dois disparos de revólver atingem o seu tórax,
pelas costas. É sábado, 3 de março, a Guapa está com 27 anos.
A
autora intelectual do crime, mulher de um rico fazendeiro, o amante da
uruguaia, havia acertado a data com o responsável pelos tiros, um cabo do
“Corpo de Provisórios”: durante o Carnaval. A população, encantada com os
folguedos, haveria de esquecer com facilidade o episódio. Foi o contrário.
A cidade parou; centenas acompanharam
o féretro a pé, e a população passou a reverenciá- la
como “Irmãzinha Guapa” e “Santa Prostituta”, pelos milagres a ela atribuídos.
Guapa
tinha por hábito fazer um pequeno corte no canto das cédulas de 500 mil réis recebidas
dos clientes. E o seu assassino logo foi visto trocando algumas delas no comércio.
Haviam sido roubadas do quarto no dia do crime.
Todos os contemporâneos conheciam a identidade da mandante. A família,
poderosa, fez com que o promotor interessado no processo fosse logo
transferido. E as investigações cessaram para sempre. Até hoje se sabe quem é,
mas ninguém revela nomes.
Passado
quase um século, a Guapa é unanimidade em São Gabriel. Há
absoluto respeito por ela. Em seu túmulo, no Cemitério Municipal, e na capela
ali construída, estão dezenas de placas de agradecimento por graças e curas, além
de incontáveis oferendas: anéis e pulseiras, batom, peças de vestuário,
vestidos de noiva que são muitas vezes furtados porque as portas permanecem abertas.
Divergência sobre o crime só há uma. O historiador Osório Santana
Figueiredo, 85 anos, afirma que o cabo atirou em Maria Isabel
escondido atrás de cortinas, e o advogado e pesquisador Dagoberto Focaccia, 75
anos, fervoroso devoto, diz que os disparos vieram da rua. Acende uma vela para
Guapa e informa:
– As pessoas costumam pedir a ela que
o amor não acabe, que seja eterno.
Com Maria do Carmo, de São Borja, e Maria
Degolada, de Porto Alegre, também mortas por homens que vestiam fardas, Maria
Isabel forma a tríade de lendas das Santas Prostitutas do Rio Grande do Sul.
Boletim de
Ocorrência, em ZH, por Celito De Grandi*
Túmulo de Guapa em São Gabriel - Rio Grande do Sul
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