quinta-feira, 8 de maio de 2014

Saber jurídico gaudério


Versos de 1959 para defender um agricultor 
que surrou a mulher gastadeira.

O arquivo pessoal do juiz Afif Simões Neto, da 8° Vara Cível de Porto Alegre, conserva uma preciosidade. O pai dele, advogado Afif Jorge Simões Filho, militante em São Sepé, gostava de fazer defesas em versos, até pouco antes de falecer em 1986.

Em um de seus primeiros trabalhos, ele rimou para defender Egídio Rodrigues Siqueira, um agricultor que surrara a mulher.

O desentendimento entre o casal aconteceu no ano de 1959. Egídio estava trabalhando numa empreitada de arroz na Serra e, quando voltou para casa, embrabeceu com a esposa, pois esta, valendo-se de sua ausência, fizera diversas compras supérfluas numa venda do 2° Distrito de São Sepé, que ficaram muito além das possibilidades financeiras do réu. Egídio foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 129, caput, do Código Penal.


Leia a defesa rimada, de 50 anos atrás.


Mais uma cena de briga,
Entre um casal de campanha
Mais um marido que espanca
Mais uma esposa que apanha.

O réu espancou a esposa,
Porque esta, na sua ausência,
Fez uma conta comprida
No bodegão da querência.

Ao regressar da empreitada,
Todo saudoso e faceiro,
Caiu de costas ao ver
As notas do bodegueiro.

Eram brincos e teteias,
Riscados, lenço e chapéu,
Para os parentes da esposa
Tudo por conta do réu.

Como da plata que trouxe
Não lhe sobrasse um vintém,
Egídio exemplou a esposa,
E, agindo assim, agiu bem.

Quem de nós não quis um dia,
Com a esposa gastadeira,
Fazer o mesmo que fez,
O réu Egídio Siqueira.

É bruto cortar arroz
metido no lodaçal,
E deixar todo o salário
No bolicho do Sinval.

Tá certo que se gastasse
Com erva, farinha e pão,
Mas não com brincos de orelha
E coisas sem precisão.

Mas esposa arrependeu-se,
Conforme disse ao depor,
De haver trazido à justiça
O marido espancador.

Se ela diz conformada,
E arrependida da queixa,
Não vamos dizer: prossegue
Quando ela mesma diz: deixa.

Pobre réu. Estou convicto
De sua santa inocência.
Mas que aproveite e aprenda
esta lição de experiência.

Se outra vez surrar a esposa,
(Este é o pedido que eu faço)
Que surre de manso e de leve,
Sem deixar sinal de laço.

Ou então que surre forte,
Com toda força e vontade,
De modo que ela nem possa
Vir dar parte na cidade.


(Após colher os depoimentos da vítima e do réu e de testemunhas,
o juiz da causa absolveu o agricultor.)





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