Rua Marechal Floriano - Antiga Rua Bragança
Primeiros
anos do novo século.
Homens e mulheres estavam marcados
pelas histórias e pela realidade das revoluções acontecidas.
O Rio Grande
continuava a ser território de homens alimentados por batalhas.
Um revólver
na cintura, símbolo de coragem, quase certeza de enfrentamento, de matar ou
morrer com honra.
Comprava-se arma com extrema
facilidade e, no estabelecimento de João Bergmann, na rua Marechal Floriano, em Porto Alegre ,
encontravam-se revólveres e espingardas de todo tipo e todas as marcas.
Treze horas
do dia 2 de dezembro de 1921.
O
funcionário João Luiz Bicca abre as portas da Casa Bergmann, início do turno da
tarde.
Poucos minutos depois, entra na loja
um casal jovem, de aparência humilde, ele 26 anos, ela 24 anos.
O homem é um tipo forte, veste terno
escuro, gravata branca e botinas amarelas. A mulher usa um vestido azul escuro,
meias de seda e sapatos de verniz. “Figura de alourado germânico, muito pálida
e bonita”, descrevem os jornais da época.
Herculano Padilha vai até o balcão,
conversa com João Luiz. E explica: precisa de um revólver.
O vendedor escolhe vários modelos num
armário envidraçado e os espalha à frente do homem. Ele examina com calma e
naturalidade cada um deles até apanhar o “Smith Wesson legítimo, calibre 32,
preço de 250$000” (250 mil réis, valor de três salários de um trabalhador, à
época).
Dirige-se à sua mulher e pergunta:
- Serve este?
Donaide responde sem emoção.
- Serve.
Ele se volta para o vendedor e pede
balas. Coloca a munição, aponta a arma para a cabeça de Donaide e faz dois
disparos,
Depois, aciona o gatilho outras duas
vezes, agora contra o próprio corpo, um tiro no peito e outro na cabeça.
Só quando chega o delegado Eurybíades
Dutra Vila é que a multidão reunida à frente da Casa Bergmann fica sabendo quem
é o casal que ninguém ali conhecia.
No bolso interno do paletó de
Herculano estava a explicação para a cena incrível que fez o vendedor disparara
para o interior da loja.
Na carta endereçada ao delegado de
polícia, o casal assina a confissão de um pacto: “Não podíamos mais com o peso da vida e por isso fugimos... pela porta
da morte, em busca desse oceano de amor que se chama Deus”.
A carta está chamuscada em vários
pontos, por uma das balas do revólver, mas é clara ao pedir que sejam
comunicados os familiares de Donaide, em Serra da Alibeira, Cerro Azul, e de
Herculano, moradores de Araucária, no Paraná.
Nos bolsos do suicida, havia três
cigarros de palha, uma caixa de fósforos, um lápis e um “jogo do bicho”, com
data do dia anterior e uma aposta de $600 no número 605.
Nenhum tostão em dinheiro.
O casal e mais um filho adotivo,
Sebastião, oito anos, estavam em Porto Alegre havia dois anos.
Estabeleceram-se com um armazém de
“secos e molhados” na Rua Nunes, esquina da Avenida Cascata, no bairro Glória,
onde também residiam.
Um ano e meio depois, Herculano
decide fechar a casa, porque o negócio não frutifica.
Vai trabalhar em Bagé, num hotel, e
Donaide e Sebastião mudam-se para uma casa da mesma Rua Nunes, onde mora a família
do jardineiro Antônio da Costa.
O pacto de morte fora decidido no dia
anterior, quando Herculano chega de Bagé, sem ter anunciado.
Conversam aos sussurros e tão logo
termina um vestido para uma amiga, dona Cândida, Donaide diz a ela e a
familiares do jardineiro que iria se hospitalizar no dia seguinte. Está
gravemente enferma
Donaide sempre foi mulher alegre e
comunicativa. E está visivelmente nervosa quando chama “Taco”, o filho adotivo,
e diz para a amiga:
- Dona Cândida, faço-lhe
entrega deste menino e, se eu morrer, toma conta dele como se fosse seu filho.
Explica que ela e o marido iriam
pernoitar no Guahyba Hotel e Dona Cândida estranha aquilo tudo. Pergunta qual a
casa de saúde onde ficará hospitalizada e Donaide responde:
- Amanhã vos escreveremos.
Não foi um caso isolado.
Antes deste, dois outros episódios
semelhantes já haviam ocorrido na casa de armas de João Bergmann.
Seis meses antes, um cidadão porto-alegrense
chegou ao balcão, pediu um revólver e, na frente do vendedor, atirou contra o
próprio corpo.
Aquele também era um tempo de morte
sem honra.
Texto de Celito De
Grandi para a coluna “Boletim de Ocorrência”,
do jornal Zero Hora,
de Porto Alegre-RS.
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