De onde vem esse palavrão?
Max Gehringer
Ninguém está livre de o próprio nome
entrar para a história como sinônimo de um produto esquisito, uma invenção nova
ou mesmo uma situação embaraçosa. O nome Miguel, por algum motivo, deu origem
ao verbo “miguelar” (que significa “ser sovina”). O apelido Mané, que já foi
carinhoso, hoje virou um adjetivo que desfaz da inteligência da pessoa à qual é
associado. Daphne amanhã pode virar nome de sabonete. E é melhor nem citar a
conotação que o nome Bráulio adquiriu forçosamente há uns anos. O consolo é que
essas apropriações indébitas não são um fenômeno moderno. Veja a curiosa origem
de algumas palavras, pesquisadas pelo escritor e conferencista Max Gehringer –
um dos autores do especial “Odisséia Digital”, que você recebeu com esta
edição.
Big Ben - Trata-se de uma homenagem a Sir Benjamin Hall, que, entre
1854 e 1858, deu à torre do Parlamento britânico suas formas atuais. "Big
Ben" não é o apelido do relógio, mas do sino de 13 toneladas cujas
badaladas de 8 notas musicais foram copiadas no mundo inteiro. O verdadeiro
artista dessa história é o desconhecido “compositor” das badaladas. Mas Big Ben
era o big boss, portanto...
Decibéis - O decibel equivale a 1/10 de um bel, que é a unidade
para medir a intensidade do som. O nome é uma homenagem a seu descobridor, o
americano Alexander Graham Bell, também inventor do telefone e do fonógrafo.
Erro crasso - Em 53
a .C., confiante na superioridade numérica de seus
centuriões numa batalha contra os sírios, e disposto a estraçalhar logo o
inimigo, o general romano Licinius Crassus decidiu ganhar tempo cortando
caminho por um vale estreito. Foi a decisão mais estúpida da história militar:
os sírios fecharam as duas únicas saídas do vale e o exército de Crassus, ele
incluído, foi massacrado. O que sobrou dele foi apenas a expressão “erro
crasso”.
Boicote - Em 1890, Charles Parnell, maior latifundiário da Irlanda,
aumentou o aluguel de seus inquilinos e encarregou seu capataz, Charles
Boycott, de executar a ordem. Mas os inquilinos reagiram: deixaram de falar com
Boycott, as lojas pararam de vender para ele, sua correspondência não foi mais
entregue e até o padre barrou seu acesso à igreja. Isolado e repudiado, Boycott
teve que mudar e nunca mais se ouviu falar dele. A não ser na palavra boicote.
América - O genovês Cristóvão Colombo jamais admitiu ter descoberto
um continente: morreu convicto de que chegara às Índias. Dentre os muitos
navegadores que depois vieram explorar o novo mundo, estava o florentino
Américo Vespuccio, que escreveu sobre suas viagens. Foi a partir deles que o
cartógrafo alemão Martin Waldseemüller batizou o novo continente de América.
Nicotina - Embaixador francês em Portugal no século XVI, Jean
Nicot, levou o tabaco para a França. Só 200 anos depois a droga presente nas
folhas do tabaco foi isolada e recebeu seu nome: nicotina. O que durante um
século foi uma homenagem, hoje parece ser um castigo.
Castigo draconiano - Em 621 a .C. o legislador ateniense Draco resolveu
juntar todas as leis não escritas da antiga Grécia e publicá-las num código
oficial. Mas sua severidade surpreendeu os gregos: de repente, até pequenos
delitos podiam levar à pena de morte. O código deixou como herança a palavra
draconiano, em que o castigo é desproporcional ao erro.
Agosto brutal - Júlio César, imperador romano, foi assassinado por
uma corriola da qual fazia parte seu filho adotivo Brutus (daí vem
brutalidade). Seu sobrinho, Gaio Otaviano, assumiu a vaga do tio e mudou o nome
para Augusto. Mas Júlio tinha um mês com seu nome, julho, e Augusto resolveu
suceder o tio também no calendário: mudou o nome do mês seguinte, sextillus,
para augustus. Como o julho do tio tinha 31 dias e agosto só 30, Augusto
empatou a conta “roubando” um dia de fevereiro.
Linchamento - No século XIX, um bando de justiceiros do Estado
americano da Virgínia decidiu capturar, julgar e enforcar bandidos por conta
própria (uma primitiva versão dos famigerados “esquadrões da morte”). O chefe
da gangue era o capitão William Lynch e daí vem a palavra linchamento.
Bic - O húngaro radicado na Argentina Ladislas Biro inventou a
caneta descartável em 1953, mas logo vendeu os direitos da novidade para o
barão francês Marcel Bich, que morreu em 1994, aos 79 anos, quando seu nome já era
sinônimo de caneta: bic.
Cicerone - Marcus Tulius Cicero (100-43 a .C.), eloquente orador
romano, gostava de mostrar a cidade aos visitantes e contar, com detalhes e
entusiasmo, as histórias de cada local visitado. Em sua homenagem, os guias
turísticos são chamados de cicerones.
Daltonismo - O cientista britânico John Dalton publicou, em 1794, um
estudo onde revelava ter dificuldade para distinguir a cor verde da vermelha, e
doou seus olhos para estudos científicos. Por isso, pessoas com o mesmo problema
ficaram conhecidas como daltônicas.
Rastafári – Hailé Selassié foi o primeiro imperador da Etiópia
quando o país ficou independente da França. Seu corte de cabelo, desgrenhado e
“cheio”, muito diferente do padrão comportado da primeira metade do século XX,
passou depois a designar qualquer “estilo” capilar que fugisse à regra. O nome
tribal de Selassié era Ras Tafari.
Sanduíche - Numa madrugada de 1762, John Montague, que passava dias
na mesa de carteado, pediu a seu mordomo que colocasse um naco de rosbife no
meio de duas fatias de pão tostado para não ter que interromper o jogo e ir
tomar o café da manhã. Seus parceiros aderiram à novidade e a homenagearam com
o título de Montague, que era o quarto conde do condado inglês de Sandwich.
Guilhotina - Diz a lenda que o médico francês Jean Guillotin
inventou a guilhotina e depois foi degolado por ela. Na verdade, ele só atestou
oficialmente que o decepamento do pescoço era um método de execução mais
“humano” que o enforcamento. Mas, depois de seu depoimento, o povo nunca mais
usou a complicada expressão original, “lâmina de separação cervical”.
Triângulo das Bermudas - Em 1790, o barco do espanhol Juan de
Bermudez afundou na América Central, mas ele e sua carga, de porcos,
conseguiram chegar a uma ilha próxima. Os porcos não fizeram história, mas garantiram
o alimento de Juan até ele batizar a ilha com seu nome, Bermuda. E o local do
naufrágio seria depois conhecido como Triângulo das Bermudas.
Silhueta - Em 1759, o secretário das finanças da França, Etienne de
Silhouette, tremendo muquirana, recomendou aos cidadãos que economizassem o
dinheiro pago aos pintores de retratos, preferindo a opção mais barata do
“retratinho de contorno”. Por essa mesquinharia, qualquer imagem vista contra
uma luz forte ficou conhecida como silhueta.
Por fim, um caso exemplar: em 1886, o
engenheiro austríaco Emil Jellinek resolveu dar o nome de sua filha, Mercedes, ao carro que fabricou. Mais
tarde, Gottlieb Daimler e Karl Benz se associaram ao negócio e o carro ganhou o
sobrenome, Benz. A gente, então,
fica imaginando: e se Herr Jellinek tivesse dado à filha um nome mais
germânico? Quem hoje se orgulha de seu Mercedes, não teria a mesma satisfação
se tivesse que sair por aí falando: “Meu carro é uma Gerda”.
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