quarta-feira, 11 de junho de 2014

Etimologia Biográfica

De onde vem esse palavrão?

Max Gehringer


Ninguém está livre de o próprio nome entrar para a história como sinônimo de um produto esquisito, uma invenção nova ou mesmo uma situação embaraçosa. O nome Miguel, por algum motivo, deu origem ao verbo “miguelar” (que significa “ser sovina”). O apelido Mané, que já foi carinhoso, hoje virou um adjetivo que desfaz da inteligência da pessoa à qual é associado. Daphne amanhã pode virar nome de sabonete. E é melhor nem citar a conotação que o nome Bráulio adquiriu forçosamente há uns anos. O consolo é que essas apropriações indébitas não são um fenômeno moderno. Veja a curiosa origem de algumas palavras, pesquisadas pelo escritor e conferencista Max Gehringer – um dos autores do especial “Odisséia Digital”, que você recebeu com esta edição.

Big Ben - Trata-se de uma homenagem a Sir Benjamin Hall, que, entre 1854 e 1858, deu à torre do Parlamento britânico suas formas atuais. "Big Ben" não é o apelido do relógio, mas do sino de 13 toneladas cujas badaladas de 8 notas musicais foram copiadas no mundo inteiro. O verdadeiro artista dessa história é o desconhecido “compositor” das badaladas. Mas Big Ben era o big boss, portanto...

Decibéis - O decibel equivale a 1/10 de um bel, que é a unidade para medir a intensidade do som. O nome é uma homenagem a seu descobridor, o americano Alexander Graham Bell, também inventor do telefone e do fonógrafo.

Erro crasso - Em 53 a.C., confiante na superioridade numérica de seus centuriões numa batalha contra os sírios, e disposto a estraçalhar logo o inimigo, o general romano Licinius Crassus decidiu ganhar tempo cortando caminho por um vale estreito. Foi a decisão mais estúpida da história militar: os sírios fecharam as duas únicas saídas do vale e o exército de Crassus, ele incluído, foi massacrado. O que sobrou dele foi apenas a expressão “erro crasso”.

Boicote - Em 1890, Charles Parnell, maior latifundiário da Irlanda, aumentou o aluguel de seus inquilinos e encarregou seu capataz, Charles Boycott, de executar a ordem. Mas os inquilinos reagiram: deixaram de falar com Boycott, as lojas pararam de vender para ele, sua correspondência não foi mais entregue e até o padre barrou seu acesso à igreja. Isolado e repudiado, Boycott teve que mudar e nunca mais se ouviu falar dele. A não ser na palavra boicote.

América - O genovês Cristóvão Colombo jamais admitiu ter descoberto um continente: morreu convicto de que chegara às Índias. Dentre os muitos navegadores que depois vieram explorar o novo mundo, estava o florentino Américo Vespuccio, que escreveu sobre suas viagens. Foi a partir deles que o cartógrafo alemão Martin Waldseemüller batizou o novo continente de América.

Nicotina - Embaixador francês em Portugal no século XVI, Jean Nicot, levou o tabaco para a França. Só 200 anos depois a droga presente nas folhas do tabaco foi isolada e recebeu seu nome: nicotina. O que durante um século foi uma homenagem, hoje parece ser um castigo.

Castigo draconiano - Em 621 a.C. o legislador ateniense Draco resolveu juntar todas as leis não escritas da antiga Grécia e publicá-las num código oficial. Mas sua severidade surpreendeu os gregos: de repente, até pequenos delitos podiam levar à pena de morte. O código deixou como herança a palavra draconiano, em que o castigo é desproporcional ao erro.

Agosto brutal - Júlio César, imperador romano, foi assassinado por uma corriola da qual fazia parte seu filho adotivo Brutus (daí vem brutalidade). Seu sobrinho, Gaio Otaviano, assumiu a vaga do tio e mudou o nome para Augusto. Mas Júlio tinha um mês com seu nome, julho, e Augusto resolveu suceder o tio também no calendário: mudou o nome do mês seguinte, sextillus, para augustus. Como o julho do tio tinha 31 dias e agosto só 30, Augusto empatou a conta “roubando” um dia de fevereiro.

Linchamento - No século XIX, um bando de justiceiros do Estado americano da Virgínia decidiu capturar, julgar e enforcar bandidos por conta própria (uma primitiva versão dos famigerados “esquadrões da morte”). O chefe da gangue era o capitão William Lynch e daí vem a palavra linchamento.

Bic - O húngaro radicado na Argentina Ladislas Biro inventou a caneta descartável em 1953, mas logo vendeu os direitos da novidade para o barão francês Marcel Bich, que morreu em 1994, aos 79 anos, quando seu nome já era sinônimo de caneta: bic.

Cicerone - Marcus Tulius Cicero (100-43 a.C.), eloquente orador romano, gostava de mostrar a cidade aos visitantes e contar, com detalhes e entusiasmo, as histórias de cada local visitado. Em sua homenagem, os guias turísticos são chamados de cicerones.

Daltonismo - O cientista britânico John Dalton publicou, em 1794, um estudo onde revelava ter dificuldade para distinguir a cor verde da vermelha, e doou seus olhos para estudos científicos. Por isso, pessoas com o mesmo problema ficaram conhecidas como daltônicas.

Rastafári – Hailé Selassié foi o primeiro imperador da Etiópia quando o país ficou independente da França. Seu corte de cabelo, desgrenhado e “cheio”, muito diferente do padrão comportado da primeira metade do século XX, passou depois a designar qualquer “estilo” capilar que fugisse à regra. O nome tribal de Selassié era Ras Tafari.

Sanduíche - Numa madrugada de 1762, John Montague, que passava dias na mesa de carteado, pediu a seu mordomo que colocasse um naco de rosbife no meio de duas fatias de pão tostado para não ter que interromper o jogo e ir tomar o café da manhã. Seus parceiros aderiram à novidade e a homenagearam com o título de Montague, que era o quarto conde do condado inglês de Sandwich.

Guilhotina - Diz a lenda que o médico francês Jean Guillotin inventou a guilhotina e depois foi degolado por ela. Na verdade, ele só atestou oficialmente que o decepamento do pescoço era um método de execução mais “humano” que o enforcamento. Mas, depois de seu depoimento, o povo nunca mais usou a complicada expressão original, “lâmina de separação cervical”.

Triângulo das Bermudas - Em 1790, o barco do espanhol Juan de Bermudez afundou na América Central, mas ele e sua carga, de porcos, conseguiram chegar a uma ilha próxima. Os porcos não fizeram história, mas garantiram o alimento de Juan até ele batizar a ilha com seu nome, Bermuda. E o local do naufrágio seria depois conhecido como Triângulo das Bermudas.

Silhueta - Em 1759, o secretário das finanças da França, Etienne de Silhouette, tremendo muquirana, recomendou aos cidadãos que economizassem o dinheiro pago aos pintores de retratos, preferindo a opção mais barata do “retratinho de contorno”. Por essa mesquinharia, qualquer imagem vista contra uma luz forte ficou conhecida como silhueta.

Por fim, um caso exemplar: em 1886, o engenheiro austríaco Emil Jellinek resolveu dar o nome de sua filha, Mercedes, ao carro que fabricou. Mais tarde, Gottlieb Daimler e Karl Benz se associaram ao negócio e o carro ganhou o sobrenome, Benz. A gente, então, fica imaginando: e se Herr Jellinek tivesse dado à filha um nome mais germânico? Quem hoje se orgulha de seu Mercedes, não teria a mesma satisfação se tivesse que sair por aí falando: “Meu carro é uma Gerda”.


Revista Super Interessante – março de 2001

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