Por Machado de Assis
Machado de Assis - última foto
(A Semana - 25 de
março de 1894)
(Alguns parágrafos ou
parte de alguns,
por não se referirem diretamente à semana santa,
por não se referirem diretamente à semana santa,
foram suprimidos para
não alongar o texto.)
A semana foi santa, - mas
não foi a semana santa que eu conheci, quando tinha a idade de mocinho nascido
depois da guerra do Paraguai. Deus meu! Há pessoas que nasceram depois da
guerra do Paraguai! Há rapazes que fazem a barba, que namoram, que se casam,
que têm filhos, e, não obstante, nasceram depois da batalha de Aquidabã. Mas
então, o que é o tempo? É a brisa fresca e preguiçosa de outros anos, ou este
tufão impetuoso que parece apostar com a eletricidade? Não há dúvida que os
relógios, depois da morte de López, andam muito mais depressa.
(...)
As semanas santas de outro tempo
eram, antes de tudo, muito mais compridas. O domingo de Ramos valia por três.
As palmas que se traziam das igrejas eram muito mais verdes que as de hoje,
mais e melhor. Verdadeiramente já não há verde. O verde de hoje é um amarelo
escuro. A segunda-feira e a terça-feira eram lentas, não longas; não sei se
perceberam a diferença. Quero dizer que eram tediosas, por serem várias.
Raiava, porém, a quarta-feira das trevas; era o princípio de uma série de
cerimônias, e de ofícios, de procissões, de sermões de lágrimas, até sábado de
aleluia, em que a alegria reapareceria, e finalmente o domingo de Páscoa que
era a chave de ouro.
(...)
Não sei se chegareis a entender o que
me sucedeu agora, indo ver o ofício da Paixão em uma igreja. Outrora, quando de
todo o sermão da montanha eu só conhecia o padre-nosso, a impressão que recebia
era mui particular, uma mistura de fé e de curiosidade, um gosto de ver as
luzes, de ouvir cantos, de mirar as alvas e as casulas, o hissope e turíbulo.
Entrei na igreja. A gente não era muita; sabe-se que parte da população está
fora daqui. Metade dos fiéis ali presentes eram senhoras, e senhoras de chapéu.
Nunca me esquecera o escândalo produzido pelos primeiros chapéus que ousaram
entrar na igreja em tais dias; escândalo sem tumulto, nada mais que murmuração.
Mas o costume venceu a repugnância, e os chapéus vão à missa e ao sermão.
Algumas senhoras rezavam por livros, outras desfiavam rosários, as restantes
olhavam só ou rezariam mentalmente.
(...)
Soou o cantochão. Chegou-me o
incenso. A imaginação deixou-se-me embalar pela música e inebriar pelo aroma,
duas fortes asas que a levaram de oeste a leste. Atrás dela foi o coração, tornando
à simpleza antiga. E eu ressurgi, antes de Jesus. E Jesus apareceu-me antes de
morto e ressuscitado nos dias em que rodeava a Galileia, e, abrindo os lábios,
disse-me que a sua palavra dá solução a tudo.
- Senhor, disse eu então, a
vida é aflitiva, e aí está o Eclesiastes
que diz ter visto as lágrimas dos inocentes, e que ninguém os consolava.
-
Bem-aventurados os eu choram, porque eles serão consolados.
- Vede a injustiça do
mundo. “Nem sempre o prêmio é dos que melhor correm, diz ainda o Eclesiastes, e
tudo se faz por encontro e casualidade.”
-
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos.
- Mas
ainda é o Eclesiastes que proclama haver justos, aos quais provêm os males...
- Bem-aventurados os que
são perseguidos por amor da justiça, porque deles é o reino do céu.
E assim por diante. A cada palavra de
lástima respondia Jesus com uma palavra de esperança. Mas já então não era ele
que me aparecia, era eu que estava na própria Galileia, diante da montanha,
ouvindo o povo. E o sermão continuava. Bem-aventurados os pobres de espírito.
Bem-aventurados os pacíficos. Bem-aventurados os mansos...
*****
Sobre essa crônica, Corção diz que
Machado termina o relato “com aquele seu ar de quem não sabe que está dizendo
coisas enormes.” De fato, esse final é simplesmente espetacular; Machado,
contrapondo-se ao pessimismo dos tempos modernos, se transporta a Galileia a
ouvir, com o povo, a mensagem de esperança e redenção.
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