(Carlos Alberto Chiarelli)
Antes, ouvia com nitidez os sons
repetidos da vida.
Agora, nem a campanhia estridentes do celular
consegue escutar.
Antes, beijava com ardor e volúpia.
Agora, só respeitosos beijinhos na bochecha.
Antes, era tido como um bom atleta.
Agora, é driblado com facilidade pelo veloz neto
de sete anos.
Antes, guiava com segurança e destreza.
Agora, é só carona.
Antes, usava óculos para barrar
esteticamente o brilho do sol.
Agora, enfrenta a catarata.
Antes, reuniam-separa ouvir seus
planos e propostas.
Agora, repete para poucos, as
poucas histórias que sobraram na memória.
Antes, pela aparência, diziam
que, no futuro, seria um viúvo.
Agora, aposta-se mais na viúva.
Antes, ia ao médico só para checapes anuais, que
finalizavam com OKs quase monótonos.
Agora, é escravo dos exames laboratoriais e foge
do tubo fúnebre da ressonância magnética.
Antes, o jornal era leitura
obrigatória, de cabo a rabo.
Agora, dá-se por satisfeito
passando os olhos, com interesse e temor, no obituário.
Antes, usava galochas.
Agora usa pantufas.
Antes, sua intimidade era respeitada.
Agora, na mão das jovens enfermeiras,
de fisioterapeutas perdeu sua privacidade.
Antes, para ter privilégios dos idosos
exigiam-lhe documentos comprobatórios
Agora, os “documentos” são as
rugas de um trôpego.
Antes, não precisava testar sua
privilegiada memória.
Agora, às vezes até esquece que o esquecimento é seu companheiro.
Antes, tivera filhos obedientes.
Agora, submete-se às imposições
anárquicas dos netos.
Antes, a cerveja gelada no verão e o vinho tinto
no inverno não respeitavam lei seca.
Agora, só água para tomar as coloridas pílulas
para diversas doenças.
Antes, tremia quando das grandes emoções.
Agora, a culpa é do Parkinson.
Antes, o coletivo era família.
Agora, vigora o individualismo competitivo.
Antes, bonita era a alvorada.
Agora, acompanha, sentimental, ao lado da
companheira amorosa, o declínio do pôr-do-sol.
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